A ingestão de colesterol aumenta a chance de doença coronariana?






















Recomendo que antes da leitura do texto, vocês entrem
neste link da Wikipedia e leiam pelo menos a parte de "Importância Clínica"

Tentando responder a essa pergunta, procurei no PUBMED: “‘dietary cholesterol" AND atherosclerosis AND "coronary disease”. Encontrei cerca de 1500 artigos, e para melhor selecioná-los adicionei alguns “limits” (em inglês, em humanos, publicado nos últimos 5 anos). A pesquisa mostrou 55 artigos, dos quais escolhi dois pelo resumo. Como eu verifiquei que recentemente ocorreu uma mudança de posicionamento a respeito do tema, um dos artigos escolhidos era um review.

A pergunta era simples: posso comer colesterol? A resposta era não. O conceito de que o colesterol dietético contribuía para aumento do LDL e das doenças coronarianas fez parte da política pública de saúde dos EUA por mais de 30 anos. Essa opinião se baseava em:

  1. Testes com animais que demonstravam que o aumento do consumo de colesterol induzia aterosclerose em algumas espécies.
  2. Estudos epidemiológicos demonstrando uma correlação entre colesterol dietético e doenças coronarianas.
  3. Observação clínica de que alimentação rica em colesterol aumentava o LDL.

No entanto, aos poucos foi-se verificando que estes estudos apresentavam alguns vieses. Por exemplo, os estudos com animais apontavam aumento de aterosclerose apenas para animais herbívoros. Ora, se o animal nunca ingeriu colesterol (ele está presente apenas em produtos de origem animal), obviamente seu organismo não conseguirá se ajustar a um aumento de oferta. Animais carnívoros e onívoros apresentavam mínima variação com aumento da ingestão.

Os estudos epidemiológicos e clínicos apresentavam um viés de confundimento. A maioria das dietas ricas em colesterol são também ricas em gordura saturada, e pobre em frutas e verduras. Quando se realiza uma análise multivariada, não se encontra significância estatística do consumo de colesterol em eventos coronarianos. É bom lembrar que essa correlação existe em relação a gordura saturada.

Um dos estudos aponta que uma dieta rica em colesterol é capaz de causar uma variação de 16 mg/dia no colesterol, enquanto o colesterol endógeno sintetizado no corpo corresponde a 1000 mg. Ou seja, a ingestão tem uma importância muito pequena nos índices séricos.

Por fim, o artigo fala a respeito dos ovos, alimentos ricos em colesterol , mas com pouca gordura saturada. Por muito tempo, esse alimento foi abominado por médicos e nutricionistas, devido ao suposto risco de aumento de eventos coronarianos. Estudos mais recentes mostram que na verdade, ele aumenta o HDL, e pode reduzir o LDL. Portanto, a ingestão de ovos não deve ser considerada um tabu.

Concluindo, voltemos a simples pergunta: posso comer colesterol? Gostaria de dizer que a resposta é sim, afinal, o colesterol em si tem uma pequena influência em eventos coronarianos. No entanto, é preciso lembrar que ele está intimamente correlacionado com dietas ricas em gorduras saturadas, gorduras trans, carbohidratos; e pobre em vegetais e frutas. Portanto, minha resposta é: sempre que for comer um ovinho, prepare sem manteiga, e coma uma maçã de sobremesa.

Referências:

McNamara DJ., Dietary cholesterol and atherosclerosis.Biochim Biophys Acta. 2000 Dec

Herron KL, Lofgren IE, Sharman M, Volek JS, Fernandez ML,High intake of cholesterol results in less atherogenic low-density lipoprotein particles in men and women independent of response classification. Metabolism. 2004 Jun;53(6):823-30.


Relator: Ibraim (81)



Mulheres que convivem muito mestruam juntas?

Desde a primeira publicação de Martha McClintock em 1971 sobre a sincronização da menstruação, o tema passou a ser foco de grande discussão no meio científico. Houve também repercussão entre leigos, entre os quais muitas mulheres acreditam que seus ciclos menstruais possam ser sincronizados.

A dúvida do grupo era se mulheres que convivem demais sincronizam seu ciclo menstrual. Para tentar solucioná-la pesquisei no pubmed synchron* menstrual cycle, que resultou em diversos artigos que pareciam responder satisfatoriamente à questão.

Entretanto, muitos autores avaliaram a possível existência desse fenômeno em estudos com colegas de quarto e os resultados foram bastante contraditórios. Por isso resolvi escolher o artigo Menstrual synchrony in a sample of working women, que media esse fenômeno em colegas de trabalho.

Nesse artigo, pares de mulheres que trabalhavam juntas por pelo menos um ano, em um escritório pequeno e que não tivessem contato com outras pessoas durante seu tempo de trabalho responderam questionários sobre o dia de início de sua menstruação e o nível de amizade entre elas.

Muito embora os autores cheguem à conclusão de que a sincronização está provada, há um grande viés no seu método. Para se considerar a existência de sincronização os autores utilizam o chamado índice de sincronia que mede a diferença entre o tempo entre os inícios das menstruações das duas mulheres e ¼ do tempo médio entre duas menstruações das duas mulheres, considerando qualquer valor negativo como sincronia. Por exemplo, em um ciclo médio de 28 dias, o valor esperado para a diferença entre os inícios das menstruações é de sete dias (¼ do ciclo) e se o valor encontrado for de cinco dias, é considerado que houve sincronia, mesmo que as menstruações das duas mulheres não coincidam em nenhum dia.Assim, eu considero que há uma tendência à sincronização menstrual em mulheres que convivem demais, até por causa de outros artigos encontrados em minha pesquisa, mas a sincronização real ainda não foi comprovada.

Referências:

Weller L, Weller A, Koresh-Kamin H, Ben-Shoshan R. Menstrual synchrony in a sample of working women.Psychoneuroendocrinology. 1999 May;24(4):449-59. PMID: 10341370 [PubMed - indexed for MEDLINE]

Stern K, McClintock MK. Regulation of ovulation by human pheromones.Nature. 1998 Mar 12;392(6672):177-9. PMID: 9515961 [PubMed - indexed for MEDLINE]

Relator: Bruno (83)

Mães corujas criam adultos alérgicos?


Na tentativa de responder a pergunta proposta, pesquisei "allergen exposure" no pubmed nos campos title/abstract. Na medida em que foram achados muitos resultados, fui incluindo progressivamente mais limites (idiomas: Inglês, Português, Espanhol e Francês, em crianças, ensaio clínico randomizado, ensaio clínico, meta-análise, revisão, publicados nos últimos 5 anos) até que encontrei 102 artigos dos quais escolhi 3 pelo resumo.

O objetivo da questão proposta seria avaliar se a prevenção da exposição a alérgenos, derivados principalmente de poeira doméstica e de animais, seria uma maneira de facilitar o aparecimento de reações alérgicas no futuro. Sabe-se que 50% da alergia são de origem genética, entretanto, só essa constatação não justifica o aumento da incidência de alergia em crianças. Numerosos estudos prospective têm constatado que a exposição à alérgenos na infância tem fator protetor para crianças sem predisposição genética, pois influencia o sistema imunológico em desenvolvimento a aumentar as respostas celular e diminuir a produção de anticorpos IgE [2].

Quando se trata de crianças em alto risco de desenvolver alergia vários fatores podem confundir a interpretação de estudos, já que pais muito alérgicos tendem a ter menos animais domésticos, por exemplo, assim a criança desenvolveria a alergia não por falta de exposição ao alérgeno, mas pela alta tendência genética a desenvolvê-la. Várias evidências têm provado que prevenir a exposição principalmente a alérgenos alimentares teria efeito protetor sobre o desenvolvimento de alergia nesse grupo [1], mas os resultados referentes a poeira e animais domésticos ainda são um pouco inconclusivos.

O estudo escolhido para responder essa questão foi um ensaio clínico randomizado, que possivelmente excluiu os vieses mais preocupantes relativos a estudos prospective e cross-sectional. 120 crianças com alto risco de desenvolver alergia foram divididas em dois grupos, sendo um profilático, sujeito a diversas medidas para evitar exposição a alérgenos no primeiro ano de vida, e outro controle. As crianças foram submetidas a testes nas idades de 1, 2, 4 e 8 anos para verificar o desenvolvimento de alergias. Os resultados do estudo permitem concluir que a prevenção da exposição a alérgenos no primeiro ano de vida foi positiva para a prevenção de aparecimento de asma alérgica (OR 0,18 CI 0,06-0,58), dermatite atópica alérgica (OR 0,04 CI 0,00-0,24) e rinite alérgica (OR 0,14 CI 0,04-0,51) [3].

Sendo assim, as evidências nos permitem concluir que evitar a exposição a alérgenos para crianças em alto risco de desenvolver alergia tem efeito benéfico. Ao contrário, para crianças que não se enquadrarem nessa categoria, expô-las a alérgenos na infância parece ter o efeito protetor.

Referências:

[1]HALKEN, Suzanne
Prevention of allergic disease in childhood: clinical and epidemiological aspects of primary and secondary allergy prevention, Pediatr Allergy Immunol 2004: 15 (Suppl. 16): 9–32

[2]OWNBYA, Dennis R., JOHNSON, Christine C
Does exposure to dogs and cats in the first year of life influence the development of allergic sensitization?
Current Opinion in Allergy and Clinical Immunology 2003, 3:517–522

[3]Arshad et al
Prevention of allergic disease during childhood by allergen avoidance: The Isle of Wight prevention study.
J Allergy Clin Immunol February 2007 volume 119, number 2

Uso de maconha pode levar a infertilidade masculina?

O primeiro ponto a ser esclarecido nesta questão é que no pubmed não há qualquer estudo conclusivo sobre essa associação (tal como mostra-se na primeira tentativa de busca). O artigo que escolhi como o que melhor responderia questão, por exemplo, é um ensaio in vitro que demonstra que o THC, principio ativo do maconha, pode afetar a fertilidade masculina[1]. Todas as suposições que são feitas sobre o assunto baseiam-se em experimentos sobre o funcionamento dos receptores de canabinoides.

Um receptor de canabinóides pode ser encontrado em algumas células humanas notadamente aquelas do sistema nervoso central e outras no sistema reprodutor, onde esse canal ativado por seu similar endógeno (a anandamida) tem importante função na regulação de funções reprodutivas[2].

Suspeita-se que óvulo secrete a anandamida como uma das estratégias para evitar a poliespermia (mais de um espermatozoide fecundar o óvulo)[2]. A partir dessas observações supôs-se que o uso de maconha poderia causar infertilidade masculina, esta hipótese é sustentada pelo estudo in vitro.

O estudo baseou-se numa preparação de sêmen a qual era colocado o THC em doses supostas como de uso medicinal e de uso recreativo. Observou-se queda da motilidade além da inibição da reação acrossômica, sugerindo que o uso recreativo de maconha possa ser fator de infertilidade masculina.

Os artigos que julguei relevante constatam que o uso lúdico da maconha pode ser fator de infertilidade masculina[1],[2],[3],[4],[5]. Muito embora esta relação pareça ser verdadeira é complicado tirar conclusões a partir de estudos laboratoriais, uma vez que estes jamais compreendem a complexidade da realidade in vivo. Ensaios clínicos (em modelos vivos), portanto, são necessários para a associação do uso de maconha com a infertilidade masculina ser confirmada. A importância desse conhecimento vai além do alarmismo contra o consumo desta droga, ela consiste na abertura de um campo fértil para o estudo e desenvolvimento de anticoncepcionais uma vez que a o THC foi também relacionado com causas de infertilidade feminina[5].

Busca no PubMed:
1) Palavras chaves: cannab* AND fertil*
Campos: Title/Abstract,
Limites: Humanos, Sexo Masculino, Clinical Trial ou Meta-Analysis ou Randomized Controlled Trial

Resultados: 0

2) Palavras chaves:cannab* AND fertil*
Campos: Title/Abstract,
Limites: Humanos, Sexo Masculino

Resultados: 9 , sendo 5 reviews

Artigos Relevantes
Effects of delta-9-tetrahydrocannabinol, the primary psychoactive cannabinoid in marijuana, on human sperm function in vitro[1]

A Tale of Two Cells: Endocannabinoid-Signaling Regulates Functions of Neurons and Sperm[2].
Jekyll and Hyde: Two Faces of Cannabinoid Signaling in Male and Female Fertility[3].
Cannabis, cannabinoids and reproduction[4]

Referência
[1]Whan LB, West MC, McClure N, Lewis SE; Effects of delta-9-tetrahydrocannabinol, the primary psychoactive cannabinoid in marijuana, on human sperm function in vitro.;Fertil Steril. 2006 Mar;85(3):653-60.

[2]Schuel H, Burkman LJ.; A tale of two cells: endocannabinoid-signaling regulates functions of neurons and sperm.; Biol Reprod. 2005 Dec;73(6):1078-86

[3]Wang H, Dey SK, Maccarrone M.; Jekyll and hyde: two faces of cannabinoid signaling in male and female fertility; Endocr Rev. 2006 Aug;27(5):427-48

[4]Park B, McPartland JM, Glass M.; Cannabis, cannabinoids and reproduction.; Prostaglandins Leukot Essent Fatty Acids. 2004 Feb;70(2):189-97.; Review.

[5]
Maccarrone M; Low fatty acid amide hydrolase and high anandamide levels are associated with failure to achieve an ongoing pregnancy after IVF and embryo transfer.; Mol Hum Reprod. 2002 Feb;8(2):188-95.

Leitura Complementar

A
lém dos artigos citados na bibliografia recomento a leitura do Endocannabinoids and Regulation of Female and Male Fertilit. Alguns artigos estão disponíveis em www.apoioclubedaevidencia.kit.net/canabinoides