Há benefícios no consumo de álcool?



Utilizei o Google Scholar para tentar encontrar artigos relevantes. Nessa triagem percebi que muitos dos artigos que tratavam sobre benefícios à saúde tratavam de benefícios para o coração, então a pesquisa ficou restrita a tal subtema. Com os termos “alcohol intake” e “heart” encontrei os dois principais artigos considerados.

Um artigo de 1999, publicado no BMJ, trata da diminuição dos riscos de doença coronária. É um extenso review de artigos publicados entre 1965 e 1998 e que conclui estar provado o efeito benéfico do álcool em aumentar significativamente as taxas de HDL do sangue, desde que consumido moderadamente – até duas doses para homens e em torno de uma dose para as mulheres.

O outro artigo, o qual mereceu maior atenção, foi publicado em 2006, também no BMJ, e trata dos diferentes padrões de consumo do álcool em relação à doença coronariana, levando em conta as diferenças entre os sexos e diversas variáveis (atividade física, fumo, consumo de vegetais, gordura saturada e peixe, e o nível de educação).

Tal artigo, um cohort study de população, envolveu em torno de 50 mil dinamarqueses, sem qualquer problema cardiovascular, justamente para que a incidência de doença coronariana fosse verificada frente às estatísticas oficiais do país. Em suma, o que o artigo conclui foi que, para mulheres, o importante para diminuir o risco de doença coronariana é a quantidade ingerida, mesmo que numa freqüência baixa. Para homens, a freqüência parece ser mais importante e a quantidade nem tanto. Ao contrário de outros artigos, este afirma que quanto maior a quantidade ingerida, menor o risco de doença coronariana.

Apesar de chamar atenção, o resultado deve ser visto com cautela. A pesquisa só levou em conta a diminuição de doença coronariana sem considerar os riscos da ingestão acima do moderado, como câncer ou doença hepática. Interpondo esses dois estudos e demais não citados creio que a ingestão moderada ainda é mais benéfica. A frase do Ministério da Saúde pode ser levada a sério.

Relator: Ariel (83)

Pílula anticoncepcional é um fator de risco para câncer de mama?


No Brasil, 20,7% das mulheres em idade reprodutiva utiliza como método contraceptivo a pílula anticoncepcional. Esse medicamento contém estrógeno, um conhecido mitógeno das células da mama, assim ele pode estar associado a ocorrência de câncer de mama com o uso prolongado.
Na tentativa de responder a essa pergunta, digitei "breast cancer" e "oral contraceptive" no Pubmed com filtros para humanos, mulheres, randomized controlled trial, controlled clinical trial, clinical trial e adultos. O objetivo de usar tantos filtros foi diminuir a quantidade de estudos encontrados para 110 artigos, dos quais uns 40 eram relevantes para responder a pergunta. Desses 40, escolhi dois pelo resumo.

O artigo da JAMA descreve um cohort study de 426 famílias de pacientes com câncer de mama entre 1944 e 1952 em Minnesota. O objetivo do artigo era avaliar se, dentre as pessoas com histórico familiar, o anticoncepcional aumenta o risco de desenvolver câncer de mama. Os dados coletados comprovaram que para aquelas pessoas que usaram pílula antes de 1975, o método realmente aumenta a chance de desenvolver câncer de mama (risco relativo de 3,3 comparado aos que não usaram pílula). Entretanto, para aqueles que passaram a tomar anticoncepcional após 1975 os dados foram inconclusivos pois não houveram casos suficientes de câncer de mama para que pudesse ser feita a associação. O ano de 1975 foi utilizado como marco pois houve redução da quantidade de hormônios na pílula nesse ano.

O artigo publicado na American Journal of Epidemiology acompanhou 3,540 casos de câncer de mama entre 1977 e 1992 em Boston, Nova Iorque e Filadélfia em um case-control study. O estudo conclui que houve relação entre o uso de anticoncepcional e a ocorrência de câncer de mama, como ilustra a tabela:

Am J Epidemiol Vol. 143 No.1, 1996.


Contudo, o grupo controle diferia significativamente do grupo caso na medida em que este tinha maior ocorrência de histórico familiar, uso de álcool e auto-exame periódico. Assim, ele não é satisfatório para estabelecer a ligação entre anticoncepcional e câncer de mama, visto que esses outros fatores podem ter confundido a investigação.

Como conclusão final, o clube admite que não há relação comprovada entre câncer de mama e anticoncepcional, pois ambos os estudos tiveram falhas importantes que não podem ser desconsideradas.
Referências
Rosemberg et al, Case-control study of use of contraceptive and breast cancer, Am J Epidemiol Vol. 143 No.1, 1996.

As orações praticadas por terceiros podem influenciar positivamente o curso clínico de pacientes coronários?

Breve introdução: A reza tem sido descrita como um dos métodos mais antigos de cura da humanidade e, ainda hoje, tem sido amplamente usada como terapia no combate e controle a diversas afecções. Principalmente com o avanço da Medicina Alternativa e Complementar que tem sido observado em resposta à Medicina tradicional mecanicista, orações e seus efeitos na saúde se tornaram importante objeto de análise em estudos científicos.

É consenso que a mente pode influenciar a resposta do corpo às condições de saúde e, portanto, orações praticadas pelo doente podem modelar o desenvolvimento da doença, bem como outras atitudes psicológicas. Entretanto, apesar da crença popular de que orações realizadas por terceiros teriam poder de cura, este ainda é um tema divergente e polêmico da Medicina atual.

Nosso objetivo era responder essa questão e, para tal, separamos dois artigos científicos de estudo clínico randomizado que se mostraram a favor da influência positiva da reza praticada por terceiros em afecções coronárias, apesar de haver referências científicas que mostrem o contrário.


Estratégia de busca: “intercessory prayer” e “remote intercessory prayer” no google acadêmico.


Artigo Apresentado:

Autor: Harris W., Gowda M., Kolb J. e cols.

Ano de publicação: 1999

País: Estados Unidos

990 pacientes admitidos na unidade de tratamento coronário do hospital MAHI, em Kansas City, EUA, foram dividos, aleatoriamente, em dois grupos: um receberia orações vindas de um grupos de oração e um não receberia orações desse grupo.

Os pacientes não sabiam em qual grupo estavam e tampouco sabiam que estavam participando desse estudo, e não havia qualquer tipo de contato entre o grupo de oração e o paciente a ser beneficiado. Então, usando uma escala elaborada por médicos do próprio hospital, era avaliado o curso clínico do paciente internado, levando em conta eventos cardiovasculares e relacionados, bem como procedimentos realizados durante a estada no hospital. O tempo médio de internação também foi medido nos dois grupos.

Não houve diferença significativa no número de ocorrências de cada procedimento ou evento cardiovasculares isoladamente nos dois grupos e não houve diferença significativa entre o tempo de internação hospitalar nos dois grupos. Porém, utilizando-se a escala que reúne todas as ocorrências de eventos ou procedimentos, o grupo que recebeu as orações obteve um escore significativamente menor que o outro grupo (6.35 +- 0.26 contra 7.13 +- 0.27, respectivamente, com P = 0.04).

Clinical Bottom Line: Portanto, de acordo com o artigo apresentado, o recebimento de orações praticadas por terceiros, não estando os pacientes cientes dessa prática, pode influenciar positivamente o curso de pacientes internados na ala de tratamento coronário do hospital. Os autores não elaboram sobre o mecanismo pelo qual isso aconteceria.

Comentários:

- A maneira de separar os pacientes nos dois grupos – considerando o número de cadastro dos mesmos no hospital e separando entre números pares e ímpares –, não é considerado exatamente como separação aleatória, pois pode não se dar completamente ao acaso.

- A escala utilizada no estudo para avaliar o curso clínico de cada paciente não foi validada cientificamente e não existe, atualmente, escala validada para tal fim.

- Há implicações éticas em realizar pesquisas científicas sem o consentimento e esclarecimento dos objetos a serem pesquisados, mesmo que acredite-se que as ações realizadas no estudo não comprometam o tratamento recebido na internação hospitalar.

- Os resultados obtidos não foram reproduzidos em outros artigos realizados a posteriori.

- É possível que os pacientes de ambos os grupos estivessem recebendo orações de seus familiares e amigos, independente de qual grupo ele pertença, de modo a “mascarar” os efeitos da reza praticada pelo grupo de orações.

Referência: Harris W., Gowda M., Kolb, J. et al. A Randomized, Controlled Trial of the Effects of Remote, Intercessory Prayer on Outcomes in Patients Admitted to the Coronary Care Unit. Arch Intern Med. 1999;159:2273-2278.

Outros artigos:

Byrd, RC. Positive Therapeutic effects of intercessory prayer in a coronary care unit population. South Med J. 1988; 81:826-829.

Benson H., Dusek JA. et al. Study of the Therapeutic Effects of Intercessory Prayer (STEP) in cardiac bypass patients: a multicenter randomized trial of uncertainty and certainty of receiving intercessory prayer. Am Heart J. 2006 Apr;151(4):934-42.

A exposição ao frio induz infecções de trato respiratório alto?

Relator: Ibraim
Data da reunião: 08 de agosto de 2007.
Questão: A exposição ao frio induz infecções de trato respiratório alto?

Breve introdução:

Existe a crença popular de que o frio está relacionado ao desenvolvimento de resfriados e infecções de garganta. Nos últimos 300 anos diversos autores reportaram que a exposição ao frio realmente está relacionada a infecções de trato respiratório alta. No entanto, estudos clínicos nos anos 50 envolvendo inoculações de vírus no nariz de voluntários, juntamente com exposição destes ao frio falharam confirmar a crença popular. Livros recentes de virologia ironizam essa teoria.

Ainda assim, essa crença está tão incrustada em diferentes sociedades que é difícil acreditar que não exista algo de real nela. Epidemiologicamente, durante o inverno aumenta-se drasticamente o número de resfriados. Além disso, esta é a principal causa de faltas em treinamentos de atletas profissinais de cross-country. Militares canadenses relatam um aumento do número e severidade de infecções de trato respiratório alto quando designados a trabalhar em estações árticas.

Apresentamos aqui portanto, 3 artigos sobre o tema, sendo o primeiro um pequeno estudo clinico randomizado favorecendo a crença popular. O segundo é um review sobre o tema (tendenciando a favor do efeito do frio), e o último, um estudo fisiológico demonstrando o efeito de exposição a baixas temperaturas sobre o sistema imune (indo contra a crença popular). Aproveitem.

Estratégia de busca: "cold exposure" "infection" com Limits para estudos em humanos no PUBMED.

Artigo apresentado:
Autor: Johnson, C. and Eccles, R.
Ano: 2005
País: Reino Unido
Grupo de pacientes: 180 estudantes da Universidade Cardiff.Noventa imergiram os pés em um recipiente com 9-10 litros de água a 10° C por 20 minutos. O grupo controle colocou os pés em um recipiente vazio por 20 minutos. Ambos os grupos foram questionados sobre sintomas de resfriado imediatamente antes e após o procedimento e em cada um dos 5 dias subsequentes.
Resultados: houve diferença significativa entre o grupo submetido ao frio (5.16 ±5.63) em relação ao controle (2.89 ±3.39) com p<0,013. style="font-weight: bold;">Clinical bottom line:
Apesar de não saber explicar o motivo, o autor conclui que exposição do pé ao frio aumenta o número de sintomas de resfriado.

Comentários:
O estudo apresenta alguns vieses:
  1. Acreditamos que o grupo controle deveria ter imergido os pés em água quente, já que queria-se verificar o papel da temperatura.
  2. Ele soma o score diário de resfriado (possivelmente contando 2 vezes a mesma pessoa), mostrando diferença estatística apenas nessa soma.
  3. O termo de voluntariado do estudo refere que é esperado um maior número de infecções com a exposição a água gelada, podendo induzir na população o desejo de ajudar o pesquisador
  4. O experimento parece ter sido realizado durante o inverno, tornando a exposição de 20 minutos em laboratório praticamente nula em relação a exposição real dos voluntários.


Referência:
Johnson, C. and Eccles, R. Acute cooling of the feet and the onset of common cold symptoms, Family Practice 2005; 22: 608-613


Outros artigos

Eccles, R. Acute cooling of the body surface and thecommon cold, Rhinology. 2002 Sep;40(3):109-14.

I. K. M. Brenner, et al. Immune changes in humans during cold exposure: effects of prior heating and exercise, Journal of Applied Physiology 1999; 87: 699-710

Tonsillectomia é eficaz para reduzir episódios de dor de garganta recorrentes?

Relator: Rafael Dusi
Data da reunião: 01 de agosto de 2007.
Questão: A tonsilectomia é eficaz em reduzir episódios de dor de garganta recorrentes em crianças?

Estratégia de busca: tonsillectomy no google acadêmico.

Artigo relevante:
Autor: Paradise,J.
Ano: 2002
País: Estados Unidos
Grupo de pacientes: 328 crianças com episódios recorrentes de dores de garganta moderadas. Tonsilectomia v adenotonsilectomia v controle E adenotonsilectomia v controle
Resultados: houve diferença significativa em ambos os grupos se comparados o subgrupo controle com os subgrupos submetidos a cirurgia (p<0,001).

Clinical bottom line:
Apesar da cirurgia ser eficaz em reduzir os episódios de dores de garganta recorrentes, ela não é recomendada pois reduz em média apenas 1 episódio de dor ao ano.

Comentários:
O estudo poderia ter explicitado melhor o que foi considerado um episódio de dor de garganta.

Referências:
Paradise, J. et al, Tonsillectomy and Adenotonsillectomy for recurrent throat infection in moderately affeted children, PEDIATRICS Vol. 110 No. 1 Julho 2002, pp. 7-15