Devemos parar de comer sal?

Incluído na lista dos três pós brancos mortais (açúcar, farinha e sal), o sal tornou-se inimigo público número 1 dos cardiologistas. As Diretrizes Brasileiras para Tratamento da Hipertensão Arterial recomenda que o consumo de sal diário não ultrapasse 1,5g por dia, em consonância com as recomendações da American Heart Association (AHM).


Em um artigo publicado na Hypertension de fevereiro de 2006, a AHM recomenda quatro intervenções principais para o tratamento e prevenção da hipertensão arterial: perda de peso, diminuir ingesta de sal e álcool, aumentar a ingesta de potássio e seguir a dieta DASH (rica em frutas, vegetais e produtos lácteos sem gordura e pobre em gorduras e colesterol).
Apesar de muitos estudos que apontam redução significativa da pressão arterial com diminuição do consumo de sódio, muitas vezes essa redução é irrisória. A metaanálise de Jurgens et al. revelou que para adultos saudáveis, a redução de ingesta de sódio diminuia em média 1,27 mmHg na pressão arterial sistólica e 0,54 mmHg na pressão arterial diastólica. Em hipertensos, a diferença era 4,18 mmHg na pressão arterial sistólica e 1,98 mmHg na pressão arterial diastólica. O próprio autor considerou o achado irrelevante. Duas outras metaanálises encontraram resultados semelhantes em relação a magnitude de diminuição da pressão arterial, com um achado extra: pacientes hipertensos que consumiam menos sal estavam mais aptos a interromper a medicação.
Para a AHM, a resposta ao sal é muito heterogênea em populações. Algumas pessoas são mais sensíveis ao sódio que outras (refletindo talvez, uma doença renal subclínica), de forma que, como não é possível identificar essas pessoas, a recomendação populacional seria reduzir o consumo de sal para 1,5g ao dia (um americano consome em média 3,5g/dia). Um dos estudos que suportam suas recomendações é o "Effects on blood pressure of reduced dietary sodium and the dietary approache to stop hypertension" publicado na New England de janeiro de 2001.
Esse estudo avaliou 412 adultos com pressão arterial sistólica entre 120 e 159 e pressão arterial diastólica entre 80 e 95 divididos em 2 grandes grupos: dieta habitual americana ou dieta DASH. Dentro dos grandes grupos, os participantes foram divididos em 3 subgrupos: consumo de sódio de 150 mmol/dia (consumo normal de um americano), de 100 mmol/dia (limite proposto) e de 50 mmol/dia. Os achados mais importantes podem ser visualizados no gráfico a seguir:

Pelo gráfico, constatamos que a redução na pressão arterial foi irrisória (de acordo com os dados de outras metaanálises) quando comparados os grupos com ingesta de 150 mmol e 100 mmol por dia. No entando, a mudança para a dieta DASH trouxe resultados mais importantes, como uma redução de 5 mmHg na pressão arterial sistólica. A AHM preconiza que uma redução na pressão arterial de 5 mmHg reduz em 7% a mortalidade por causas totais, de forma que esse resultado apresentado tem relevância clínica.
Cerca de 75% do sódio que consumimos é oriundo de alimentos industrializados. Um double cheeseburguer, batatas fritas pequena e coca cola pequena do McDonalds contém 3,3g de sódio (http://www.mcdonaldsmenu.info/). Além disso, contém 35g de açúcar e 12g de gordura saturada. Seria o sódio o grande problema?

Astrologia - O mês em que nascemos altera nossa personalidade?

Diversos estudos já investigaram a relação entre data de nascimento e diferenças individuais na personalidade e na inteligência geral, doenças psiquiátricas e mesmo diferenças físicas. No entanto, a maioria desses estudos apresentavam uma amostra populacional reduzida, dificultando uma extrapolação para a população total.

O artigo que falaremos diminui esse problema realizando testes em duas grandes populações diferentes, uma de veteranos de guerra do Vietnã (N=4.462) e outra dejovens entre 15 e 24 anos de ambos os sexos (n=11.448). Na primeira população tentou-se correlacionar inteligência e personalidade com conceitos cronológicos de tempo (isto é, mês de nascimento e estação do ano) ou com conceitos astrológicos (signo solar, elemento, e gênero astrológico). Na segunda população, não havia dados sobre personalidade e dia de nascimento, portanto se investigou apenas se havia correlação entre inteligência e alguns aspectos cronológicos do tempo.
Os dados da primeira população foi retirado do Vietnam Experience Study (VES), um grande estudo americano para analisar os efeitos a longo prazo de eventos de guerra. Os soldados foram inicialmente testados em 1965-71 (média de idade= 19,92; DP= 1,72) e re-testados em 1985-86 (idade média= 38,35; DP=1,86). A inteligência foi testada duas vezes, enquanto a personalidade apenas no reteste. O teste de inteligência empregado foi o Principal, Component Analysis (PCA) que consiste em 19 variáveis cognitivas analisando desde capacidades de coordenação, a testes de vocabulário e matemática. O teste de personalidade foi baseado nas quatro dimensões de personalidade de Eysenckian: Psicotismo (P), Extroversão (E), Neuroticismo (N), e interesse social (SD). Todos esses dados foram correlacionados com:
a) Mês de nascimento: janeiro, fevereiro...
b) Estação do ano: Privavera, verão, outono e inverno,
c) Inverno-verão estendidos: Inverno (outubro a março) e Verão (abril a setembro).
d) Primavera-outono estendidos: Primavera (janeiro a junho) e outono (julho a dezembro).
e)Signo solar: áries, touro, capricórnio...
f) Signo solar associado a um elemento: água, fogo, terra e ar. Seguindo a tabela abaixo.
g)Signo solar associado a um gênero astrológico (masculino/feminino), como apontado abaixo.




Os dados da segunda população foram retirados do National Longitude Study of Youth 1979 (NLSY1979) e consistia numa amostra de 11.448 jovens (homens N=5749, mulheres N= 599), com idade entre 15 e 24 anos (idade média= 19,6, DP=2,26). A análise de inteligência foi realizada com um questionário diferente da primeira amostra, denominado Principal Axis Factoring (PAF), que tambén analiza múltiplas instâncias da inteligência. A personalidade como dito anteriormente não foi analizada nessa população. Além disso, como não havia dados sobre dia de nascimento, as correlações foram efetuadas apenas com mês de nascimento, estação de nascimento, primavera e outono estendidos, e inverno e verão estendidos.

Resultados

População de veteranos: Não houve relação entre inteligência ou personalidade com: mês de nascimento, estação do ano, inverno e verão estendidos, signo solar, elemento, ou gênero astrológico. Somente um resultado foi relevante: os militares nascidos no outono estendido (julho a dezembro) eram mais inteligentes do que os nascidos na primavera estendida (janeiro a junho). É importante ressaltar no entanto, que a diferença apesar de significativa foi inferior a um ponto de QI.



População de jovens: Mais uma vez apenas houve diferença estatística na análise de inteligência em relação aos períodos de primavera-outono estendidos. Curiosamente o resultado, no entanto, foi reverso ao da população de veteranos, isto é, nesse estudo os jovens nascidos na primavera estendida eram mais inteligentes :D . No entanto, mais uma vez a diferença era inferior a um ponto de QI.



Apesar do autor ter encontrado esses dois resultados relevantes, por se tratarem de subgrupos de uma amostra, é necessário realizar uma análise multivariável. Quando os valores de p eram submetidos a correção de Bonferroni para 39 análises, NENHUM resultado era significativo.

Discussão

É preciso inicialmente deixar claro que se tratam de dois estudos realizados com populações diferentes e que se submeteram a teste de inteligência diferentes. Não misturar as duas populações foi importante para evitar vieses. Outro aspecto que pode levantar dúvida refere-se a primeira amostra populacional constituida de veteranos de guerra, é de pensamento comum que experiências tramáticas como as presentes em campos de batalha podem interferir na personalidade e mesmo em algum grau na inteligência dos soldados. O autor no entanto afirma que vários indicadores socio-econômicos demontraram que os veteranos do Vietnã se adaptaram a sociedade tão bem quanto outros militares que serviram em outros locais, além de não apresentarem diferenças socio-econômicas em relação ao resto da população. Outro ponto importante é que a personalidade tende a ser estável ao longo da vida, não sofrendo grandes alterações.
Apesar deste artigo não poder refutar a astrologia num aspecto maior (uma vez que ela também se baseia em ciclos planetários e lunares), este artigo corrobora com as revisões da literatura atuais, e ataca duramente a astrologia mais simplória baseada unicamente nos signos solares, encontrada rotineiramente em jornais e revistas. Enfim, este artigo não demonstrou correlação entre inteligência ou personalidade com signos solares, elementos, gênero astrológico e portanto não dá suporte as alegações da astrologia. Mais do que isso, esse artigo não aponta nenhuma correlação entre inteligência e personalidade e fatores cronológicos, sejam eles mês de nascimento, estação do ano, ou estações estendidas.

Referência Bibliográfica
Peter, Hartmann; Reuter, Martin; Nyborg, Helmut (2006). "The relationship between date of birth and individual differences in personality and intelligence: A large-scale study". Personality and Individual Differences 40: 1349–1362. doi:10.1016/j.paid.2005.11.017. ISSN 0191-8869. Lay summaryDiscovery News (2006-04-25).

PS: Este artigo é citado na descrição em inglês de astrologia na Wikipedia.

Consumo de leite na infância favorece o desenvolvimento de diabetes tipo 1?

A diabetes tipo 1 é uma doença auto imune, cujo início se dá tipicamente na puberdade. A produção de anticorpos destrói as células produtoras de insulina no pâncreas (as células-beta), impedindo que haja secreção desse hormônio responsável por armazenar a glicose que consumimos dentro das células. Sem a insulina, a glicose fica circulando no corpo, podendo causar vários problemas. Geralmente, os anticorpos não reagem contra células do nosso organismo, graças a um delicado mecanismo de tolerância do sistema imunitário.
As gritantes diferenças geográficas na distribuição da diabetes tipo 1, seu aumento da incidência a partir dos anos 50 e a pouca concordância entre gêmeos idênticos são fatores que levaram os cientistas a pensar em causas ambientais para esta doença. Inicialmente, estudos epidemiológicos encontraram forte associação entre o consumo de leite de vaca e a prevalência de diabetes tipo 1 em alguns países. Uma metaanálise de estudos caso-controle mostrou um risco 50% maior de desenvolver diabetes tipo 1 em crianças que começaram a beber leite de vaca antes dos quatro meses de idade.
Isto pode ter várias explicações: a perda da proteção conferida pelo aleitamento materno e a reação imunitária contra as proteínas do leite bovino. Sabe-se que o aleitamento materno é essencial para o amadurecimento do sistema imunológico do bebê e que há maior incidência de diabetes 1 em pessoas que não foram amamentadas. Além disso, a semelhança de proteínas do leite com algumas de nossas células (especialmente das células-beta) poderia levar um sistema imunitário imaturo a reagir contra essas proteínas e, consequentemente, levar a destruição das células beta. Estudos em ratos evidenciaram essa relação, fortalecendo o papel do leite de vaca na fisiopatologia da diabetes.
Por essas e outras, o aleitamento materno adquire importância especial no crescimento do bebê, sendo indispensável e insubstituível até os seis meses de idade.

Referências:
Schrezenmeir J, Jagla A. Mik and Diabetes. Journal of the American College of Nutrition, 2000, 19(2), 176S–190S.
Virtanen SM, Knip M. Nutritional risk predictors of beta cell autoimmunity and type 1 diabetes at a young age. Am J Clin Nutr. 2003 Dec;78(6):1053-67.


Mortalidade é inversamente proporcional ao colesterol(LDL). Aparente paradoxo.


Tentei, tentei, tentei e não consegui concluir sobre a existência (ou não) de uma relação clara entre colesterol(LDL) e mortalidade.
A suposta existência dessa relação foi formalizada pela coorte de Framingham nos meados do século passado. Pois é, tudo que eu falei até agora não é basiado em evidência, são coisas que ouvi meus professores falando.
Bom, lendo alguns artigos de metaanálises(melhor tipo de trabalho para estabelcer relações) de estudos de Hipocolesterolemiantes (estatinas) observei que havia uma certa suspeita de aumento de mortes (principalmente não cardivasculares) relacionadar a menores índices de colesterol total(LDL+HDL) e LDL.
É improtante lembrar que pesquisei exclusivamente artigos cujos desfechos incluiam mortalidade ou expectativa de vida, mais relevantes que expessamente de carotida ou aumento de eventos coronarianos (comuns em estudos preliminares).
O artigo que tratava mais diretamente o assunto trazia o seguinte gráfico.

obs.: O trastejado é o grupo tratado e a linha contínua representa o grupo tratado com placebo. A única curva que não foi estatíticamente significantativa é a do controle na mortalidade total.
Non-Cardiovascular Mortality, Low-Density Lipoprotein Cholesterol and Statins: A Meta-Regression Analysis

Este gráfico é muito interessante, mas não consigo explicar o paradoxo. Lanço então o desafio ao leitores de explicar o fenômeno. clubedaevidencia@gmai.com

Entendendo o colesterol com vídeos(youtube):
Colesterol e Fitoestorois (a parte de fitoesterois foge a discussão)
A historia natural de um ateroma
Referências:
busca no pubmed: "Cholesterol"[Mesh] AND ("Mortality"[Mesh] OR "Life Expectancy"[Mesh]) Limits: only items with links to full text, Meta-Analysis, English, Spanish
Low density lipoprotein cholesterol, statins and cardiovascular events: a meta-analysis.

Piadinha

Desculpem a falta de atualizações nos últimos tempos, voltamos essa semana as reuniões e as postagens com dúvidas.
Uma piadinha de recompensa:

Por que as mulheres têm TPM?


O estudo da alterações de humor da mulher poucos dias antes da menstruação desperta o interesse da ciência pois é um dos poucos fenômenos psicológicos que está sabidamente ligado a fenômenos fisiológicos. Apesar da maioria das mulheres terem sintomas pré-menstrual, apenas 1 em 10 mulheres tem o que se chama de Transtorno Disfórico Pré-Menstrual. Nessas mulheres é que são realizados os estudos que buscam esclarecer os mecanismos por trás da TPM.

Há tempos que credita-se a tensão pré-menstrual às alterações hormonais pelas quais passa a mulher no período entre a ovulação e a menstruação. Um estudo de 1983 já sugere que as alterações de humor começam a surgir com a secreção de LH e crescem linearmente com o aumento de progesterona e estrógeno, contudo, após a queda destes, nota-se uma piora no humor da mulher que alcança seu pico em dois dias.

Recentemente, a atenção da ciência tem se voltado para a glândula pineal e sua relação com a tensão pré-menstrual. A glândula pineal, dentre outras funções, é responsável pela secreção de melatonina, hormônio que atua na regulação do ciclo vigília-sono. Têm sido observado que em mulheres com TPM o momento de interrupção de secreção da melatonina está atrasado nesse período. Isso significa, grosso modo, que o corpo se prepara para acordar um pouco mais tarde do que no resto do ciclo menstrual. Além disso, constatou-se que as mulheres nesse período passam menos tempo no sono REM. Os homens que nos desculpem, mas não dá para ficar super bem humorada depois de uma noite mal dormida...

Como combater a TPM? A receita clássica de mudança de hábitos ainda vale. Exercício físico aeróbico promove o aumento de endorfinas, capazes de melhorar o humor. Além disso, tem sido sugerido que redução do consumo de sal, açúcar, cafeína e álcool pode ajudar, contudo, por enquanto, manter uma alimentação rica em carboidratos (principalmente a noite) é o mais certo para a melhora dos sintomas depressivos. Suplementação alimentar com cálcio e magnésio também melhoram o bom humor. Alguns médicos têm preconizado o uso de inibidores da recaptação de serotonina (um tipo de antidepressivo) no tratamento de TPM. Mas será que algo que está presente, em graus variados, na maioria das mulheres precisa de tratamento farmacológico?

Referências
Parry BL, Newton RP.Chronobiological basis of female mood disorders. Neuropsicofarmacology, 2001;25(5);102-8.
Bianchi-Demicheli F,Lüdicke F,Lucas H, Chardonnens D. Premenstrual dysphoric disorder: current status of treatment. SWISS MED WKLY 2002;132:574–8

Os desafios da comunicação científica


Entendendo que tão importante quanto expor conteúdo é discutir a metafísica do blog dedicarei mais uma postagem a esse assunto.
Provavelmente a mais importante função desses blogs é a popularização da ciência, que é essencial para a democratização do conhecimento e do fortalecimento do verdadeiro poder de decisão da população. Só tem sentido o povo decidir se esse tiver acesso à informação. E por outro lado, a ciência só terá sentido se for intimamente relacionada com a população.
O prof. Eno Picazzio (astrônomo da IAGUSP), em uma matéria na Scientific American Brasil(08/08) que me motivou a escrever este post, escreveu que o desafio da divulgação científica é expor o conhecimento em linguagem popular. E este é um desafio duplo, tanto é necessária a difusão dos conceitos estabelecidos pela ciência, como é essencial que o próprio vocabulário científico seja revisto, para evitar que este seja uma barreira a impedir a difusão do conhecimento, e a afastar a população da ciência. Nesse sentido o professor cita D’Alambert: “nunca seria demais simplificar e, por assim dizer, popularizar a linguagem da ciência, o que seria não só um meio de facilitar seu estudo, como tirar do povo um pretexto para desacreditá-la”. Porém o professor levanta um grande perigo nessa tarefa: a divulgação demasiadamente imprecisa, muito cheia de analogias abusivas pode acabar apenas desinformando.
Quando se trata de um blog de saúde a importância da informação de qualidade é ainda mais marcante. Isso por causa do princípio hipocrático da não maleficência, que significa que antes de ajudarmos devemos ter certeza de que não estamos atrapalhando. Outro princípio muito discutido é o do respeito à autonomia do paciente, e ao seu direito de decidir sobre si mesmo. Para isso é importante que os textos de divulgação científica se prestem não somente a divulgar, mas também a desenvolver no leitor a capacidade de analisar as descobertas, fazendo uma leitura crítica das conclusões tiradas.
Para mim o grande erro que se comete quanto à divulgação científica é exatamente o excesso de conclusões, ou melhor, tratar conclusões como verdades. Isso vai contra o que me parece ser a natureza da ciência, que esta muito mais relacionada com especulações do que com resposta. Não existe uma hipótese na ciência que seja uma verdade imutável. Isso porque a ciência se baseia em modelos, e bons modelos apenas conseguem explicar fenômenos e prever fatos, mas por melhor que sejam nunca serão verdades absolutas. As conclusões científicas são simplesmente a interpretação subjetiva de dados obtidos na experimentação, podem corroborar com a tese criada, mas dificilmente serão a confirmação irrefutável dela.
Para evitar essa lógica, os termos técnicos utilizados devem ser cuidadosamente escolhidos, e extremamente bem explicados. Nessa escolha encontro as maiores dificuldades. Mesmo estando ainda na metade do meu curso de graduação já percebo vários vícios na comunicação, e é comum usar de vocábulos específicos sem a devida explicação. Porém só o cuidado com os termos não basta, é importante a apresentação dos dados, e a discussão deles com objetivo de possibilitar ao leitor tirar suas conclusões, invés de despejar nele nossas próprias certezas.
Esses são alguns dos desafios que percebo, e com a ajuda dos leitores poderemos desenvolver boas soluções, nos aprimorando constantemente nesses assuntos. Sempre que estivermos pecando nesses quesitos, um feedback dos leitores é de grande valia. Que nesse processo possamos ajudar para a chamada popularização da ciência.

Unidade 731 (4/4) Da dissolução da Unidade e do pós-guerra

Com a invasão soviética de Manchuoko e Mengjiang no início de agosto de 1945, a unidade foi forçada a fugir apressadamente para o Japão, abandonando os trabalhos. Os integrantes da unidade teriam recebido ordens do próprio Shiro Ishii a “levar o segredo para a tumba”, sendo fornecidas cápsulas contendo cianeto de potássio a fim de permitir aos que fossem capturados uma morte sem tortura. Também seguindo ordens, os últimos integrantes remanescentes na base fizeram uma tentativa de dinamitar a estrutura inteira, para encobrir as evidências. No entanto, as estruturas foram tão bem construídas que a maior parte das instalações suportou as explosões com pouco ou nenhum dano estrutural. Um dos edifícios que abrigava a unidade funciona hoje como museu em homenagem aos que sofreram e perderam suas vidas por ordens de Ishii (BYRD, 2005).

Após a rendição japonesa em 15 de agosto de 1945, o general Shiro Ishii foi capturado pelo exército estadunidense e levado para interrogatório. Embora silencioso e misterioso nos primeiros momentos, o crescente interesse soviético em Ishii levou o próprio a aceitar um acordo proposto pelo general americano e então comandante supremo das forças aliadas Douglas MacArthur: seria oferecida imunidade a Ishii e aos outros membros da Unidade 731 detidos pelos americanos, em troca dos dados relativos aos experimentos realizados. Existem divergências acerca do destino de Ishii após a guerra: sua filha afirma que ele permaneceu no Japão até morrer em 1967, vítima de um câncer de garganta; ao passo que o historiador Richard Drayton afirma que ele teria se mudado para o estado americano de Maryland, onde teria continuado sua pesquisa em armas biológicas até sua morte – um acordo similar ao oferecido a cientistas nazistas. De acordo com chineses, o exército americano teria usado na guerra das Coréias bomba biológica muito semelhante à mostrada em desenhos de Shiro Ishii. Os únicos membros da Unidade 731 a serem julgados e condenados pelos americanos teriam sido os responsáveis pela vivissecção de soldados estadunidenses. Os soviéticos, ao contrário, puniram severamente os 12 membros da Unidade que foram por eles capturados (BYRD, 2005) (CHANG, 1999) (NIE, 2004).


Nas décadas que sucederam a guerra, os diversos governos japoneses sucessivamente negaram o cometimento de tais crimes e continuaram afirmando que a Unidade 731 era destinada à descoberta de técnicas de purificação de água. Foi somente nos anos 1980 e 1990 que o Japão reconheceu esses crimes de guerra, embora não tenha até hoje se desculpado oficialmente à China, Rússia ou qualquer outro país. Também os Estados Unidos e o Reino Unido ainda negam a imunidade oferecida a “cientistas” do Eixo que tenham realizado experimentação humana durante a guerra (NIE, 2002) (NIE, 2004) (BYRD, 2005).

Unidade 731 (3/4) Do Desenvolvimento de Armas Biológicas

A partir dos experimentos cruéis em prisioneiros os pesquisadores japoneses começaram a desenvolver protótipos de armas biológicas. Diversos testes foram realizados em Anda, localizada no norte de Harbin, a cerca de duas horas de trem de Pingfang. No verão de 1941, foi realizado neste local um teste com uma “bomba de porcelana” repleta de pulgas infectadas com peste bubônica. Para isso, 15 prisioneiros foram trazidos e amarrados em estacas preparadas para este fim. Um avião partindo da estação de Pingfan lançou 24 bombas, que explodiram há 100 ou 200 metros do solo, liberando as pulgas infectadas sobre todo o território. Após um intervalo de espera os pacientes eram trazidos novamente a prisão para averiguar se haviam sido infectados com a peste (NIE, 2004).

Após esses experimentos em pequena escala, o testes começaram a ser realizados em populações civis no norte e no sul da China. Estas eram excelentes oportunidades para verificar a real eficiência das armas. Para documentar estes experimentos foram realizados vídeos. Nishi Toshihide, ex-chefe de divisão da Unidade 731, relatou que em destes vídeos, assistiu uma expedição realizada na China central em 1940. Inicialmente era mostrado um recipiente cheio de pulgas infestadas com peste bubônica sendo acoplado a fuselagem de um avião. A aeronave decolava, e explicava-se que estava indo em direção a território inimigo. A seguir eram mostradas cenas de tropas chinesas em movimento, e vilas chinesas. Uma nuvem de fumaça era vista espalhando-se no céu a partir das asas do avião. Ficava claro que a nuvem era formada por pulgas infectadas. Então uma mensagem aparecia na tela: “Operação Concluída”. A seguir, outra mensagem: “Resultados”, e um jornal chinês era apresentado com legendas em japonês. O texto referia-se a uma epidemia grave de peste bubônica que irrompeu na cidade de Nimpo. A cena final era de funcionários chineses desinfetando a área da peste (NIE, 2004).

Por décadas após o fim da guerra, habitantes da área de Harbin, na China, sofreram com surtos de peste bubônica; estes fatos levaram a um processo de cidadãos chineses contra o governo chinês. Sabe-se que por vezes, a Unidade 731 contaminou intencionalmente reservatórios de água de civis, com a intenção de testar armas biológicas. São relatadas ainda contaminação de comida, dispersão aérea de infectantes, e lançamento de pequenas bombas contendo pulgas infectadas. Surtos de peste bubônica, cólera e febre tifóide no leste da China são atribuídos a estas atividades (POWELL, 2006) (KLIETMANN, 2001).



Unidade 731 (2/4) Experimentos com Prisioneiros

Para as doenças infecciosas, o experimento consistia em infectar artificialmente os pacientes com comida, água ou ar contaminado e, com o desenvolvimento da doença dissecá-los vivos (por vezes sem anestesia) para avaliar o estado de deterioração dos órgãos internos:

"Assim que os primeiros sintomas eram observados, o prisioneiro era levado de sua cela à sala de dissecção. Ele era amarrado e posto sobre a mesa, gritando, tentando reagir. Ele era deitado, ainda gritando apavorado. Um dos médicos enfiava uma toalha em sua boca, e então com um único golpe rápido de bisturi, ele era aberto.” (CHANG, 1999) (NIE, 2004).

Dentre os experimentos realizados, estão descritos infecções pelas bactérias patógenas Yersinia pestis, Bacillus anthracis, Neisseria gonrorhoeae, Treponema pallidum, Vibrio cholerae, Ricketsia spp., Francisella tularensis, dentre possivelmente outras (BYRD, 2005). A infecção era realizada com o intuito de se estudar as alterações orgânicas e os sintomas provocados pelas doenças em diferentes estágios de evolução. As vivissecções eram realizadas sob o pretexto de que após a morte, a autólise subseqüente impediria avaliação precisa dos efeitos das doenças, sendo necessária a avaliação a fresco do órgão (BYRD, 2005).

Dentre outras experiências, realizava-se amputação de membros seguida de hemorragias não controladas, visando simular situação de batalha; sepultamento de pessoas vivas e avaliação de efeitos da necrose e da gangrena sobre a pela humana. Também há relatos de induções experimentais de acidentes vasculares cerebrais, infartos agudos do miocárdio, embolismo gasoso, dentro outros (BYRD, 2005).

Os prisioneiros morriam em decorrência dos experimentos ou eram assassinados quando não mais necessários. Apesar da maioria deles serem homens entre 20 e 40 anos, testemunham confirmam a presença de crianças e mulheres grávidas nos experimentos fatais. Além disso, a equipe da unidade 731, afirma ter testemunhado atos sexuais forçados, por prisioneiros infectados, com objetivo de se estudar doenças sexualmente transmissíveis (NIE, 2004) (POWELL, 2006).

Outro ramo de pesquisas da Unidade 731 era a medicina dos extremos, especificamente a fisiologia do congelamento. Em um experimento, cinco prisioneiros foram colocados em um ambiente com temperatura abaixo de zero, vestidos com agasalhos, estando apenas com os braços expostos ao frio. Para acelerar o processo de congelamento (ou simular o vento em batalhas), grandes ventiladores eram colocados próximos aos prisioneiros. Isto era feito até que os braços, ao serem percutidos, emitissem um som semelhante ao de um material rígido. A partir de então, os pesquisadores tentavam diferentes formas de tratamento, muitas das quais sem sucesso (Peter Li). Outras vezes os pacientes permaneciam com as mãos imersas em águas geladas por horas, ou eram levados a montanhas onde permaneciam descalços por horas. Após o congelamento, eles eram levadas a uma sala e forçadas a colocarem suas mãos ou pés em vasilhames de água a 5° C, cuja temperatura ia subindo gradualmente. Um dos membros da Unidade 731, Karakazu Saturu relatou o seguinte fato:

“Quando eu entrei no laboratório da prisão, cinco chineses estavam sentados em um banco longo, dois destes não tinham dedo algum, suas mãos estavam negras; nos três restantes os ossos eram visíveis. Eles tinham dedos, mas apenas os ossos. Yushimura [o encarregados pelas pesquisas de congelamento] disse-me que isso era resultado dos experimentos com frio” (NIE, 2004).

Unidade 731 - O Surgimento

Esta semana para variarmos um pouco, publicarei um trabalho de história da medicina, escritos por mim, e pelo Guilherme (83). Existe pouco escrito atualmente sobre a a Unidade 731 no Brasil, portanto, acredito que seja do interesse de muitos. O intervalo entre as postagens será menor, ocorrendo a cada 4 ou 5 dias. Não esqueça de nos adicionar a seus Favoritos no menu a direita.

Do Surgimento da Unidade 731


Apesar de uma longa história de esforços e lutas na tentativa de salvar vidas e reduzir o sofrimento dos pacientes, algumas vezes a medicina tem sido usada para fins distorcidos. O conhecimento adquirido capaz de curar, também pode ser usado para aumentar a eficiência de matar. Um exemplo reconhecido mundialmente foram os estudos nazistas realizados em campos de concentração durante a segunda guerra mundial. Poucos sabem, no entanto, que o oriente apresentou um modelo bem parecido no mesmo período histórico. Entre 1932 e 1945, médicos japoneses realizaram inúmeros experimentos com prisioneiros de guerras e civis, incluindo tratamentos desumanos e vivisseções (NIE, 2002).

Partindo da observação real de que mais soldados morriam de causas infecciosas do que em batalhas, o governo japonês criou diversas unidades para a pesquisa de prevenção de doenças em soldados japoneses, bem como estudos que pudessem aumentar a mortalidade infecciosa em inimigos militares ou civis (POWELL, 2006). Acredita-se que ao longo de 13 anos de pesquisa, 10.000 cobaias humanas tenham perdido suas vidas diretamente e que outros 200.000 teriam morrido em conseqüência de surtos epidêmicos. Dentre as vítimas haviam chineses, russos, coreanos, europeus e americanos (KLIETMANN, 2001)(CHANG, 1999).

A mais famosa dessas unidades de pesquisa é conhecida como Unidade 731, tendo sido coordenada pelo general Shiro Ishii (foto), anteriormente professor de cirurgia da Universidade de Kyoto (WATTS, 2002). Criada em 1936, com sede localizada na região da Manchúria, na cidade de Pingfang, próxima a Harbin, a Unidade 731 chegou a ocupar 150 edificações e possuir 3000 funcionários, além de diversas unidades subsidiárias como as unidades 1855 (em Beijing), 200 (na Manchúria) e 9420 (em Cingapura) (BYRD, 2005). Na época recebeu o nome fictício de “Escritório de Purificação e Descontaminação de Reservatórios de Água”, não chamando qualquer atenção até próximo do fim da guerra (KLIETMANN, 2001) (CHANG, 1999).

Apesar de não ter assinado a Convenção de Genebra, que versa sobre a proibição de usos de armas biológicas, o governo japonês manteve suas equipes de pesquisa de armas biológicas em sigilo. As principais pesquisas realizadas pela unidade 731 consistiam em estudos sobre cólera, peste bubônica, malária, condições extremas e doenças sexualmente transmissíveis (altamente prevalente entre soldados de qualquer nação). Apesar da maioria dos pacientes terem sido prisioneiros de guerra, alguns eram civis raptados nas vilas conquistadas da China, da Rússia e da Coréia. A partir do momento em que eram alocados em pesquisas, os indivíduos perdiam seus nomes e
recebiam números de identificação. Entre os funcionários da Unidade, eram conhecidos como maruta, isto é “toras de madeira”. Essa despersonificação dos prisioneiros demonstra que, como nas pesquisas nazistas, estes não eram reconhecidos como seres humanos, mas apenas como cobaias (NIE, 2004).


Bibliografia

POWELL, T., Cultural context in medical ethics: lessons from Japan. Philosophy, Ethics and Humanities in Medicine. 2006 Apr 3;1(1):E4.

WATTS, J., Victims of Japan's notorious Unit 731 sue. The Lancet. 2002 Aug 24;360(9333):628. (WATTS, 2002)

NIE, J.B., Japanese doctors' experimentation in wartime China. The Lancet. 2002 Dec;360 Suppl:s5-6. (NIE, 2002)

NIE J.B., The West's dismissal of the Khabarovsk trial as 'communist propaganda': ideology, evidence and international bioethics. Journal of Bioethical Inquiry. 2004;1(1):32-42. (NIE, 2004)

KLIETMANN, W.F.; Ruoff, K.L., Bioterrorism: implications for the clinical microbiologist. Clinical Microbiology Reviews. 2001 Apr;14(2):364-81. (KLIETMANN, 2001).

CHANG, I. et al. The Asian-Pacific War, 1931–1945: Japanese atrocities and the quest for post-war reconciliation. East Asia Volume 17, Number 1 / March, 1999 ISSN 1096-6838 (CHANG, 1999)

BYRD, G.D., General Ishii Shiro: His Legacy is that of Genius and Madman. Thesis presented to the faculty of the Department of History East Tennessee State University, May, 2005, disponível no sítio http://etd-submit.etsu.edu/etd/theses/available/etd-0403105-134542/unrestricted/ByrdG042805f.pdf (BYRD, 2005)


Crianças podem ser vegan?

Alimentação vegan é polêmica por definição. A notícia da morte de uma criança vegan, por desnutrição, na Inglaterra, suscitou a dúvida de quão adequada seria essa dieta para crianças. Comumente, dietas vegetarianas são menos calóricas que dietas tradicionais onívoras. Esta restrição calórica é vantajosa para quem quer perder peso, contudo, poderia causar estragos no crescimento e desenvolvimento de uma criança.

Foram descritos casos na literatura de deficiência neurológica grave em uma criança de 14 meses, amamentada por mãe vegan. A causa apontada foi a carência de vitamina B12 (na dieta da mãe). A suplementação vitamínica por 10 semanas foi capaz de regredir todas as anormalidades observadas ao EEG, todavia, a cognição e a linguagem da criança ainda estavam comprometidos à idade de dois anos.

Por outro lado, um estudo de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento de crianças vegan inglesas revelou que, apesar de elas geralmente se encontrarem abaixo do percentil 50 das curvas de desenvolvimento padrão, elas estavam dentro do canal, tanto para peso quanto para altura.
Clique para ver em tamanho maior o gráfico altura X idade de meninos vegan, quando comparados ao padrão inglês.

O estudo conclui que a alimentação vegan é capaz de favorecer o crescimento e desenvolvimento normal de uma criança, quando adequadamente balanceada para possíveis deficiências de B12 e Cálcio. As crianças vegan se encontrariam abaixo do percentil 50, segundo o autor, devido a superestimação da curva, feita a partir de média de crescimento infantil (que leva em conta, principalmente, crianças onívoras).

Como a nossa dieta habitual é muito pobre, geralmente as dietas vegetarianas são mais ricas em vitaminas, por serem mais variadas. Key et al. relatam que os vegetarianos até morrem menos por doenças cardiovasculares. Com as devidas cautelas (principalmente em relação a suplementação de vitamina b12) é possível a alimentação vegetariana para crianças (e para adultos também). Vide o site http://www.vegankids.org.

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Para responder essa pergunta foi feita a busca na Medline nos termos MeSH vegetarianism, com limites para estudos em crianças.

Referências:
Schenck et al. Persistence of neurological damage induced by dietary vitamin B12 deficiency in infancy. Archives of Disease in Childhood 1997;77:137–139
Sanders. Growth and development of british vegan children. Am J Clin Nutr 1988;48:822-5
Key et al. Mortality in vegetarians and no-vegetarians. Public Health Nutrition: l ( I ), 33-4

Hipertensão causa dor de cabeça?

É freqüente em consultórios pacientes que se queixem de dores de cabeça relacionadas a picos hipertensivos. Muitas vezes os pacientes sequer chegam a aferir a pressão, mas "sabem" que a dor é decorrente de hipertensão.

Em 1923, Janeway afirmou que enxaquecas eram comuns em pacientes com hipertensão, desde então a relação entre a pressão arterial e dores de cabeça foram examinadas em diversos estudos. No entanto, existe uma grande contradição se associações entres os 2 elementos realmente existem. A maioria dos estudos, por serem retrospectivos ou transversais, não são capazes de demonstrar, por princípio, qualquer relação de causa e efeitos. Sendo assim, após busca no PubMed*, escolhi um artigo prospectivo realizado na Noruega com 22.685 adultos.

O estudo foi realizado com dados de duas pesquisas epidemiológicas: o HUNT-1 (realizado entre 1984 e 1986) e o HUNT-2 (realizado entre 1995 e 1997). Em ambas as pesquisas valores de altura, peso, pressão arterial, pulso e nível de glicose foram examinadas. Infelizmente, no HUNT-1 não havia questionário sobre freqüência de dores de cabeça, isso representa certa limitação, mas não invalida o estudo.

Sendo um estudo prospectivo, desejava-se analisar se indivíduos com hipertensão estudados em 1984-1986 tinham maior chance de apresentar dores de cabeça ou enxaquecas. O preferível seria escolher pacientes que não apresentassem cefaléias em 1984-86. Como infelizmente isso não foi possível, foram selecionados os pacientes que referiram não ter usado analgésicos no mês anterior a pesquisa (essa pergunta estava presente no HUNT-1). Para evitar que fármacos anti-hipertensivos interferissem no resultado, a análise estatística foi repetida excluindo os 3.678 pacientes que usavam medicações.

O risco relativo de desenvolver dor de cabeça relacionado a pressão arterial aferida 11 anos antes pode ser conferida na tabela abaixo:

A resolução da imagem está baixa, mas se você clicar nela, é possível ler melhor os dados.


Resumindo, pressões sistólicas altas tendiam a ter uma associação com menor prevalência de dor de cabeça em todas as faixas etárias. Em ambos os sexos existia uma forte linha de tendência (p<0,002)>

Uma análise transversal dos dados do HUNT-2 apontam que altas pressões sistólicas estavam associadas à menor prevalência de cefaléia, sendo estatisticamente significante apenas no grupo "Todos tipos de dor de cabeça" e "Dor não-enxaquecosa" em mulheres.

Uma possível explicação biológica para a relação inversa entre pressão arterial sistólica e o risco de cefaléia pode ser um fenômeno denominado "hipoalgesia associada a hipertensão". Isto é, sabe-se que pacientes (e também ratos) com pressão alta apresentam menos dor. Acredita-se que o mecanismo envolva baroreflexos interferindo nos estímulos de dor.

Vale lembrar que apesar dos resultados deste estudo, casos de hipertensão graves e específicos cursam com cefaléia, dois exemplos clássicos são a eclâmpsia e o feocromocitoma.

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*Pesquisado no http://www.pubmed.com/ artigos com os termos “BLOOD PRESSURE” e “HEADACHE”, com limites para “título” e “estudos em humanos publicados nos últimos 10 anos em inglês/português/francês”, e houve retorno de 13 artigos. Foi escolhida o artigo:

Hagen K, Stovner LJ, Vatten L, Holmen J, Zwart JA, Bovim G.Blood pressure and risk of headache: a prospective study of 22 685 adults in Norway.J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002 Apr;72(4):463-6.

Existe evidência que suplementos vitamínicos são benéficos?



O estresse oxidativo está envolvido na fisiopatogenia de muitas doenças e no processo natural de envelhecimento. Estima-se que 10 a 20% da população adulta dos Estados Unidos e Europa (80 – 160 milhões de pessoas) consumam suplementos antioxidantes, acreditando preservar sua saúde e prevenir doenças. Os antioxidantes deveriam diminuir os danos oxidativos às células e aumentar a expectativa de vida. Entretanto, as evidências de que suplementações são benéficas, não estão bem firmadas. Alguns estudos não encontram nenhuma evidência de que eles prolonguem a vida, ao contrário, seus dados alertam para a probabilidade de encurtá-la. Há um grande número de publicações científicas a respeito, mas poucas de boa qualidade.

Portanto, o objetivo desta edição do Clube de Evidência foi analisar os benefícios e malefícios da suplementação antioxidante na prevenção primária (na população geral) e secundária (pacientes com certas doenças), excetuando-se os casos de prevenção terciária (utilização da suplementação para fins terapêuticos). Para tanto, foi buscado no Pubmed artigos com os termos “antioxidant supplements” e “primary and secondary prevention” com um total de 12 artigos, sendo 8 deles revisões. Para discutir a questão, foi escolhido uma metanálise do JAMA (The Journal of American Medical Association), publicado em fevereiro de 2007: “Mortality in Randomized Trials of Antioxidant Supplemnts for Primary and Secondary Prevention”.
O artigo seguiu o método Cochrane Collaboration de seleção e separou dados de 68 trials randomizados, com um total de 232.606 participantes. Dividiu então os artigos em subgrupos de acordo com a qualidade metodológica e o risco de superestimar efeitos das variáveis. 47 artigos (69,1%) apresentavam baixo risco de superestimar dados (estudos duplo-cegos, boa aleatoriedade e acompanhamento) e 21 artigos (30,9%) apresentavam alto risco de superestimar dados. Analisou a heterogenicidade dos grupos, a qual não era significativa e permitia que os dados dos grupos fossem compilados. Dados relacionados às doses, duração da suplementação e a finalidade de prevenção primária ou secundária não foram estatisticamente significantes quando correlacionados com a mortalidade.


Os dados refletiam que o uso exclusivo do beta caroteno aumentou significativamente a mortalidade. Este efeito não foi significativo quando o mesmo foi combinado com outros suplementos. Após retirar os estudos que apresentavam alto risco de superestimar dados, o uso exclusivo ou combinado do beta caroteno foi relacionado significativamente com o aumento da mortalidade. O uso exclusivo ou combinado da vitamina A ou da vitamina E não aumentou significativamente a mortalidade; contudo, após retirar os dados dos estudos de alto risco, o uso exclusivo ou combinado de vitamina A ou da vitamina E foi relacionado significativamente com o aumento da mortalidade. O uso exclusivo ou combinado da vitamina C não aumentou significativamente a mortalidade, mesmo após exclusão dos dados dos artigos de alto risco. O uso exclusivo ou combinado de selênio apresentou diminuição significativa da mortalidade, contudo após extração dos dados dos artigos de alto risco, o uso exclusivo ou combinado do selênio não teve influência significativa na mortalidade. O índice geral de aumento de mortalidade foi de 5%.
Assim, concluiu-se que não há evidências de que a suplementação antioxidante tenha efeitos benéficos na mortalidade. E ainda que o uso exclusivo ou combinado de betacaroteno, vitamina A e vitamina E aumentam significativamente a mortalidade. Não há evidência que o uso de vitamina C aumenta a longevidade e faltam dados para refutar seu potencial negativo na sobrevida dos seus usuários. O selênio tende a reduzir a mortalidade, mas são necessárias mais pesquisas para elucidar a questão. Confirmou-se também que estudos que utilizam metodologia inadequada superestimam efeitos destas suplementações.

Goran Bjelakovic; Dimitrinka Nikolova; Lise Lotte Gluud; et al., Mortality in randomized trials of antioxidant supplements for primary and secondary prevention: systematic, review and meta-analysis. JAMA 2007;297(8):842-857 (doi:10.1001/jama.297.8.842)

Relatora: Luciana (81)TE AMO MINHA LINDA!

Como montar um clube da evidência?

A proposta do clube da evidência é baseada em experiências anteriores descritas de clubes da revista, adaptados para a realidade do estudante de Medicina da UnB. Algumas valiosas dicas foram retiradas do editorial publicado em 2004 (What makes evidence-based journal clubs succeed? Phillips and Glasziou Evid Based Med.2004; 9: 36-37) e mostraram-se fundamentais para a construção do clube, entre elas:

Organização cíclica: Revezar os papéis é fundamental para aprofundar o envolvimento do estudante com o clube. Contudo, na prática, definir os papéis na reunião anterior só tem funcionado para decidir quem será o relator. O anfitrião e o responsável por pedir a pizza tem sido decididos no início da reunião, sem que isso traga prejuízos para o desenrolar da sessão.

Pizza: Muitas vezes subestimada, a oferta de comida é fundamental para o sucesso das reuniões. Quem tem fome, tem pressa pra sair, e quem tem pressa pra sair não quer discutir o artigo apresentado. O que tem sido feito é pedir uma pizza a ser entregue na faculdade de saúde, cujo preço costuma ser dividido por quem está na reunião.

Qual questão responder? Ao contrário dos clubes da revista, que buscam respostas para questões clínicas específicas, o clube se propõe a trazer a ciência para o dia-a-dia. Desvendar mitos e descobrir tabus científicos é o seu grande objetivo, qualificando-se como um local para desenvolver a imaginação e os questionamentos, muito além de definir riscos relativos e terapêutica apropriada para determinada enfermidade.


Registro das reuniões: Nos clubes da revista tradicionais, a resposta à dúvida clínica é estruturada em formatos pré-definidos, normalmente BETs e CATs. Esse formato não se adequou a proposta do clube da evidência, então temos nos restringido a arquivar cópias dos artigos discutidos a cada sessão e divulgá-los neste blog.

Por fim, para montar um clube da evidência basta poucas pessoas, alguma desenvoltura em pesquisa de artigos (que é aprendida com o tempo), alimentação barata e divulgação do assunto da reunião previamente (email, quadro branco, cartazes...).

Um dos artigos que nos orientaram:
Rose Hatala, Sheri A. Keitz,Mark C. Wilson, Gordon Guyatt,Beyond Journal Clubs: Moving Toward an Integrated Evidence-Based Medicine Curriculum J GEN INTERN MED 2006; 21:538–541.

Estatinas funcionam em pacientes que nunca tiveram infarto?

Atualmente, tem havido uma grande euforia em relação aos medicamentos genericamente chamados estatinas (atorvastatina, sinvastatina, pravastatina etc.) – inibidores da enzima HMG-CoA redutase. Com estudos científicos comprovando sua eficácia em reduzir morbimortalidade em pacientes que já foram vítimas de eventos cardiovasculares, tais medicamentos pareceram boas opções a mudanças no estilo de vida para hábitos e alimentação mais saudáveis. Entretanto, apesar da forma como é comumente usada na prática clínica, os efeitos das estatinas em pacientes que não tiveram eventos cardiovasculares maiores significativos (infarto do miocárdio fatal ou não e acidente vascular cerebral) não estão completamente elucidados.



Portanto, a intenção dessa edição do Clube de Evidência foi determinar o papel das estatinas na prevenção primária de eventos cardiovasculares. Para tanto, foi pesquisado no http://www.pubmed.com/ artigos com os termos “primary prevention” e “statin”, com limites para “título” e “estudos em humanos publicados nos últimos 5 anos em inglês/português”, e houve retorno de 7 artigos. Foi escolhida uma meta-análise de 2006: Primary prevention of Cardiovascular diseases with statin therapy: a meta-analysis of randomized controlled trials.
Esse estudo reuniu 7 ensaios clínicos randomizados de alta qualidade metodológica (índice de Jadad), analisando um total de 42848 pacientes. Para analisar a prevenção primária, todos os estudos tinham pelo menos 80% dos pacientes na prevenção primária (sem eventos cardiovasculares prévios) – média de 90% na prevenção primária –, e seguimento médio de 4.3 anos.
Essa meta-análise concluiu que apesar de não diminuir significantemente a mortalidade cardiovascular ou mortalidade total [reduções de 22,6% (P = 0,13) e 8% (P=0,09), respectivamente]. Os autores atribuíram esses coeficientes de mortalidade não alterados a um tempo relativamente baixo de seguimento (4,3 anos) e ao enfoque, nos estudos, em pacientes com riscos cardiovasculares mais baixos (Framinghmam, moderado e moderado-alto). Entretanto, apesar de não haver efeitos estatisticamente comprovados sobre a mortalidade, as estatinas foram eficazes em relação ao número de infartos do miocárdio (fatais ou não), com redução de 29,2% (P < p =" 0,02).">
Os autores reafirmam que, apesar de redução de 22,6% no número de infartos do miocárdio, o NNR desse estudo é 60:1 (ou seja, 60 pessoas devem ser tratadas com estatinas para que apenas 1 evento seja impedido), e isso tem implicações em saúde pública. Sendo um medicamento disponibilizado no SUS, deve-se analisar a relação custo-benefício de sua terapia. O estudo indica que essa relação é válida para pacientes com alto risco de eventos cardiovasculares (Framingham, >20% em 10 anos ou outras co-morbidades, como diabetes mellitus), mas não é em pacientes com baixo risco (Framingham, <10% size="2">
Referência:
Primary prevention of cardiovascular diseases with statin therapy: a meta-analysis of randomized controlled trials.
Thavendiranathan P, Bagai A, Brookhart MA, Choudhry NK.
Arch Intern Med. 2006 Nov 27;166(21):2307-13. Review.






Alongamento e aquecimento reduzem o risco de lesões musculares?



Lesões musculares são um dos maiores problemas dos atletas atualmente, sendo responsáveis por mais que 30% de todas as consultas de clínicas esportivas. Inicialmente, acreditava-se que o aquecimento e o alongamento teriam importante papel no exercícios, ao reduzir os riscos de lesões. No entanto, um pesquisa publicada em 2000 por Pope et al, não demonstrou redução de lesões em soldados americanos que realizavam aquecimento e alongamento antes de atividades físicas.Desde então, vários pesquisadores têm publicado artigos demonstrando ou negando a redução de lesões com essas técnicas. Muito dessas contradições devem-se a dificuldade de padronizar a definição de aquecimento, alongamento e lesões.
O review*mais recente (Woods) aponta que o aquecimento aumenta a velocidade das reações metabólicas, a velocidade de transmissão nervosa, a distensibilidade muscular. O alongamento teria a função de aumentar a distensibilidade muscular (sendo maior nos primeiros 15 minutos, mas durando até 24 horas), e a longo-prazo melhorar a qualidade de vida e aumentar permanente a elasticidade muscular. O aumento da distensibilidade reduz o risco de lesões musculares por superestiramento, e aumenta a capacidade do atleta assumir posições menos usuais em momentos de choque.
O estudo de Bixlar et Jones demonstrou que aquecimento e alongamento entre o 3° e 4° tempo de um jogo de futebol americano, reduziu significativamente o risco de lesões musculares nos atletas (004 vs 0,46 p<0,05). p=" 0,05)," style="font-size:85%;">*Busca no Pubmed com "stretching warm-up exercise" com os limites de artigos em humanos publicados nos últimos 5 anos e escritos em inglês revela 25 arigos, sendo 10 relevantes.

Woods K et al. Warm-up and stretching in the prevention of muscular injury. Sports Med. 2007;37(12):1089-99.

SEMCIÊNCIA


"Não, os weblogs não vão terminar. É a resposta que dá José Luis Orihuela à pergunta que o próprio coloca. Tudo, porque nada vai voltar a ser como antes. Primeiro, porque foram descobertos com os blogs amplos recursos tecnológicos que estão agora disponíveis para pessoas comuns. E isso é ponto sem retorno. A comunicação social, enquanto comunicação pública e massiva, nunca mais vai voltar a ser um exclusivo dos grandes grupos mediáticos, também agora as pessoas comuns têm possibilidades de publicação a grande escala. Depois, porque o crescimento da blogosfera em termos estatísticos é visível e isso é prova de expansão. E por fim,porque os blogs são um "media líquido", que, não conservando a sua forma, se adapta e modifica em conformidade com as situações que se lhe colocam." (blog SEMCIÊNCIA)

Os blogs estão ficando bons. Hoje é sem dúvida uma das melhores e mais democráticas formas de comunicação.

Para ler sobre curiosidades em ciência, política, e teoria blogueira SEMCIÊNCIA é sem dúvida uma ótima opção.

Existe base terapêutica na utilização do enema?

A terapia de lavagem intestinal é conhecida como hidrocolonterapia, sendo o enema a introdução de água no intestino, geralmente pelo ânus. Este tipo de terapia baseia-se na antiga teoria da autointoxicação, segundo a qual toxinas acumuladas no trato gastrointestinal são absorvidas pela mucosa, literalmente, envenenando o corpo. A hidrocolonterapia foi muito utilizada, principalmente no século XIX, todavia, na década de 30, a perseguição política aos terapeutas (nem sempre médicos) e a popularização dos laxantes aliados ao desconhecimento científico sobre o assunto, provocaram certo desprezo pelo assunto. Kit comercial

A pesquisa no pubmed com os termos hidrotherapy AND (colon OR colonic) e limites para Português, Inglês e Francês revela 7 resultados, todos relevantes. Destaca-se apenas um relato de caso de perfuração anal e gangrena com risco de vida. O artigo considerado mais adequado para responder a questão foi o que avaliou o perfil comercial da hidrocolonterapia no Reino Unido.

A pesquisa avaliou 38 hidrocolonterapeutas registrados na Association of Colonic Hidroterapists e 242 clientes desses, por meio de questionário. Os resultados da pesquisa indicam que a hidrocolonterapia é uma atividade comercial lucrativa, e que isto poderia ser um fator que explicasse a sua prática ainda hoje. Os clientes avaliados mostraram-se insatisfeitos com a medicina tradicional e consideram que a hidrocolonterapia tem sido capaz de resolver os problemas de saúde que os levaram a procurá-la.
Tabela do artigo comparando a satisfação dos clientes de hidrocolonterapia com a medicina tradicional.

A hidrocolonterapia tem se mostrado um procedimento seguro e, apesar da ciência não ter sido capaz de comprovar seu funcionamento, ela também não o foi de comprovar seu não-funcionamento. Dessa forma, ainda não há indícios que permitam descartar a hidrocolonterapia como uma alternativa ao manejo da constipação intestinal.

Bibliografia:
Colonic Irrigations: A Review of the Historical Controversy and the Potential for Adverse Effects, Richards DG, et cols. Não publicado, disponível em aqui.
Retrograde commercial colonic hydrotherapy,Taffinder J, et cols. Colorectal Disease, 2004. 6, 258–260

Uso de telefone celular está relacionado com risco de câncer?


A exposição a radiação ionizante é um dos mecanismos propostos para explicar o surgimento de cancer. Se esta assertiva é verdadeira, então o crescente uso de telefones celulares entre as pessoas poderia ser um fator preocupante, em termos de saúde pública. Caso o mecanismo responsável pela alteração celular, que desencadearia a formação de neoplasmas, seja a exposição direta a radiação, então, estudos que avaliem câncer de cerebros ou de meato acústico são de interessante análise para a resolução dessa questão.Para tanto foram escolhidos dois estudos caso-controle do mesmo autor (Stefan Lönn et cols.), partes de um estudo multicêntrico europeu (INTERPHONE), que analisaram a freqüencia de exposição a radiação ionizante do celular a médio e longo prazo e a ocorrência de câncer de cérebro e meato acústico.
O primeiro incluiu 3,7 milhões de pessoas entre 20-69 anos, sendo 899 casos. Pela análise da razão de chance, foi possível concluir que não houve correlação entre a ocorrência de câncer de cérebro e o uso frequente de telefone celular.
O segundo estudo, sobre cancer do meato acústico, apontou uma chance de 3,1x de ter câncer de meato acústico em usuários de telefone celular a mais de 10 anos. Vale a pena frizar que este foi o único estudo encontrado que permitiu essa associação pela estratégia de busca:

Termos: (cancer OR neoplasm OR tumor )and ("low frequency fields" OR "cell phone" OR "ELF FIELDS" OR "mobile phone") nos campos Title/Abstract com limites para artigos em Inglês, Francês ou Português.


O relatório de saúde pública da OMS apontou para numerosas incertezas nesse campo. A maioria dos estudos epidemiológicos apontam para uma forte correlação entre a exposição a radiação ionizante e diagnóstico de leucemia, principalmente em crianças. Contudo, ainda não há evidência experimental que suporte esse fato.

Referências
Lönn S et cols. Mobile Phone Use and the Risk of Acoustic Neuroma, Epidemiology 2004; 15(6)
Lönn S et cols. Long-Term Mobile Phone Use and Brain Tumor Risk. Am J Epidemiol 2005;161(6)


Como fazer citações científicas

Embora regras sejam feitas para serem descumpridas é sempre importante ter as regras "oficiais" em mãos. Use-as apenas para trabalhos que serão avaliados autoritariamente (p.e., por um professor) ou que tem a possibilidade de serem publicados.

Quando na informalidade citaçao deve conter a identificaçao o autor e o caminho completo para que o leitor possa acessar o trabalho citado.

Neste caso basta o link:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/bv.fcgi?rid=citmed.TOC&depth=2


O efeito placebo

Introdução
O placebo foi concebido como controle em ensaios clínicos randomizados, para imitar a intervenção em teste, porém sem efeito fisiológicos. (S. D. Dorn et al., 2007) Com o tempo foi observado que o placebo podia provocar respostas extremamente altas em alguns testes. Por exemplo mais de 80% de resposta em testes de tratamento da síndrome do colo irritado e outros efeitos satisfatórios no tratamento da cefaléia e outras doenças (S. Klosterhalfen, P. Enck., 2006). Isso causou interesse por levantar hipóteses de erros metodológicos no desenho do placebo. Além disso o efeito placebo, bem compreendido abre campo para desenvolvimento de intervenções de baixo custo e pouco efeito colateral.

Como funciona o placebo
Uma das explicações para o efeito placebo baseia-se no condicionamento pavloviano, isso principalmente em respostas subconscientes. Assim como o cachorro de Pavlov salivava ao ouvir a campainha é possível condiocionar uma pessoa, por exemplo, a liberar um hormônio. Para provar isso níveis circulantes de GH e cortisol foram condicionados por injeções de sumatrypan. Em seguida sugestões de aumento ou diminuição desses hormônios não funcionaram, porem injeções de cloreto de sódio foram capazes de mimetizar o efeito do sumatrypan.
Outro mecanismo seria a criação de expectativas, que agiria também em processos conscientes. A sugestão de que os tremores em pacientes com parkson diminuiriam após uma cerebral do controle motor. Os pacientes que não receberam a estimulação tiveram os tremores diminuídos na mesma intensidade que aqueles que receberam a estimulação.Outro teste foi feito com voluntários sadios foram condicionados com injeções de opióides por dois dias. No terceiro dia eles experimentavam hipoalgesia a dor experimental após injeção contendo apenas NaCl (S. Klosterhalfen, P. Enck., 2006).
Os estudos a respeito dos mecanismos cerebrais do placebo, embora tenham sido uma das primeiras aplicações das técnicas de imagem cerebral, ainda são muito modestos e apenas mostram uma ativação extra do córtex pré-frontal. Esses achados sugerem, no caso da manipulação de sensações, que a ação acontece alterando a percepção mais que alterando a sensibilidade.

Terapias alternativas são capazes de aumentar o efeito placebo?
Um revisão sistemática do efeito de terapias alternativas sobre o efeito placebo no tratamento da síndrome do colo irritado foi publicada em 2007. S. Klosterhalfen e P. Enck concluíram o tipo de terapia não interfere no efeito placebo. No entanto, dentre os estudos selecionados, só restaram terapias com remédios alternativos (plantas medicinais, probióticos e etc). A revisão, portanto, não tocou o cerne da questão, que consiste em terapias com forte apelo psicológico como homeopatia e tratamentos holísticos. Os autores sugerem ainda que outros fatores como a duração do tratamento e maior número de visitas teriam efeito sobre o sucesso do placebo.

Conclusão
O placebo tem apresentado altíssimo nível de funcionamento em publicações respeitadas. Seu efeito, entretanto, pode ser muito maior. Uma vez que as revisões são feitas muitas vezes com testes cujo foco é a intervenção e não o placebo. Esses trabalhos são muito susceptíveis ao viés de publicação (estudos cujo grupo caso tenham tido mais efeito que o placebo tem mais chance de serem publicadas).
O placebo deveria ser, portanto, um grande foco de interesse da medicina. O seu entendimento propicia intervenções mais seguras e de baixo custo.
A partir da melhor compreensão desse efeito é possível depositar maior respeito em terapias alternativas, e desenvolver o questionamento se a medicina não deveria ser um pouco mais a arte do placebo.

Colchões antialérgicos melhoram a qualidade de vida do asmático?

A resposta é não, segundo estudo publicado em 2003 no New England Journal of Medicine.
(Control of Exposure to Mite Allergen and Allergen-Impermeable Bed Covers for Adults with Asthma, Woodcook et col. Volume 349(3), 17 July 2003, pp 225-236)

O estudo duplo-cego aleatorizado avaliou o efeito da colcha impermeável antialérgica em 1155 adultos asmáticos em dois aspectos: se a intervenção seria capaz de alterar a capacidade vital e de reduzir o consumo de corticóides por estes pacientes. Para tanto, metade dos pacientes recebeu a colcha antialérgico (intervenção) e a outra recebeu uma colcha não-impermeável (controle).

Os resultados do estudo falham ao indicar quaisquer diferenças entre os grupos intervenção e controle. Todavia, se analisarmos o grupo total de pacientes, é possível observar melhorias nos aspectos testados, sugerindo um efeito positivo do uso da colcha (independente de ser impermeável ou não) no tratamento da asma. Seria isso o efeito placebo?

Hipnose é um bom tratamento para tabagismo?




O fenômeno da hipnose surgiu (ou foi descoberto) no meio do século XVIII. Um dos iniciadores da técnica, Mesmer acreditava que o processo vinha de um magnetismo emanado pelo terapeuta. O primeiro estudo apontando a hipnose como técnica para interromper o tabagismo data de 1847. Desde então essa técnica já sofreu altos e baixos, e hoje é considerada por muitos como terreno de charlatões e curandeiros. Os últimos trabalhos interessantes sobre o assunto ocorreram no fim dos anos 80, e infelizmente não consegui obtê-las pela internet. Sendo assim, baseei a apresentação em um artigo de 1996 duplo-cego e randomizado que consistia na experimentação de uma fita motivacional escutada durante o processo de anestesia geral de pacientes que estavam sendo operados. A base teórica por trás do trabalho se baseava em um estado de torpor (no original, awareness) citado por alguns pacientes, que relatam lembrar-se de ouvir os médicos conversando, de ter acordado durante a cirurgia ou mesmo de sensação de dor. Segundo os autores, este estágio de sono/vigília é equiparável ao estágio hipnótico, ou seja, neste período os pacientes estariam mais sugestionáveis.

Para o estudo, foram escolhidos 363 pacientes que realizariam uma cirurgia eletiva ou semi-eletiva; que fossem fumantes diários e que desejassem parar de fumar. Os pacientes foram aleatorizados em dois grupos, sendo que em um deles, durante a anestesia geral, escutariam uma mensagem encorajando-os a parar de fumar; e os do segundo grupo receberiam um fone de ouvido, mas não escutarima qualquer mensagem. Os fones impediam a passagem de som para o ambiente impossibilitando que os cirurgiões, ou os pesquisadores soubessem a que grupo pertencia o paciente. Antes da intervenção, todos paciente deveriam apontar quão forte era seu desejo de fumar em uma escala representativa de 0 a 100. Após a cirurgia eles eram perguntados sobre lembranças do procedimento e eram solicitados a repetir o teste da escala. Após dois meses os pacientes eram telefonados e indagados se haviam conseguido parar de fumar, e assim novamente após seis meses da intervenção. Aqueles que afirmavam ter parado no prazo de seis meses eram convidados a realizar um teste de monóxido de carbono para verificar a abstinência. Os resultados encontrados são apontados na tabela abaixo, e não houve diferença significativa entre os dois grupos com relação à escala de desejo de parar de fumar; a abstinência após dois meses, nem após seis meses. Ou seja, este estudo não indicou qualquer benefício na utilização de fitas durante anestesias gerais com o objetivo de parar de fumar.


PS: Para os que ficaram frustrados pelo artigo não ser de hipnose, sugiro a leitura do segundo artigo que se trata de uma revisão sobre o uso de acupuntura e hipnose como tratamentos para o tabagismo.

Myles PS, Hendrata M, Layher Y, Williams NJ, Hall JL, Moloney JT, Powell J. Double-blind, randomized trial of cessation of smoking after audiotape suggestion during anaesthesia, Br J Anaesth. 1996 May;76(5):694-8

Villano LM, White AR., Alternative therapies for tobacco dependence., Med Clin North Am. 2004 Nov;88(6):1607-21.


Relator: Ibraim (81)