Astrologia - O mês em que nascemos altera nossa personalidade?

Diversos estudos já investigaram a relação entre data de nascimento e diferenças individuais na personalidade e na inteligência geral, doenças psiquiátricas e mesmo diferenças físicas. No entanto, a maioria desses estudos apresentavam uma amostra populacional reduzida, dificultando uma extrapolação para a população total.

O artigo que falaremos diminui esse problema realizando testes em duas grandes populações diferentes, uma de veteranos de guerra do Vietnã (N=4.462) e outra dejovens entre 15 e 24 anos de ambos os sexos (n=11.448). Na primeira população tentou-se correlacionar inteligência e personalidade com conceitos cronológicos de tempo (isto é, mês de nascimento e estação do ano) ou com conceitos astrológicos (signo solar, elemento, e gênero astrológico). Na segunda população, não havia dados sobre personalidade e dia de nascimento, portanto se investigou apenas se havia correlação entre inteligência e alguns aspectos cronológicos do tempo.
Os dados da primeira população foi retirado do Vietnam Experience Study (VES), um grande estudo americano para analisar os efeitos a longo prazo de eventos de guerra. Os soldados foram inicialmente testados em 1965-71 (média de idade= 19,92; DP= 1,72) e re-testados em 1985-86 (idade média= 38,35; DP=1,86). A inteligência foi testada duas vezes, enquanto a personalidade apenas no reteste. O teste de inteligência empregado foi o Principal, Component Analysis (PCA) que consiste em 19 variáveis cognitivas analisando desde capacidades de coordenação, a testes de vocabulário e matemática. O teste de personalidade foi baseado nas quatro dimensões de personalidade de Eysenckian: Psicotismo (P), Extroversão (E), Neuroticismo (N), e interesse social (SD). Todos esses dados foram correlacionados com:
a) Mês de nascimento: janeiro, fevereiro...
b) Estação do ano: Privavera, verão, outono e inverno,
c) Inverno-verão estendidos: Inverno (outubro a março) e Verão (abril a setembro).
d) Primavera-outono estendidos: Primavera (janeiro a junho) e outono (julho a dezembro).
e)Signo solar: áries, touro, capricórnio...
f) Signo solar associado a um elemento: água, fogo, terra e ar. Seguindo a tabela abaixo.
g)Signo solar associado a um gênero astrológico (masculino/feminino), como apontado abaixo.




Os dados da segunda população foram retirados do National Longitude Study of Youth 1979 (NLSY1979) e consistia numa amostra de 11.448 jovens (homens N=5749, mulheres N= 599), com idade entre 15 e 24 anos (idade média= 19,6, DP=2,26). A análise de inteligência foi realizada com um questionário diferente da primeira amostra, denominado Principal Axis Factoring (PAF), que tambén analiza múltiplas instâncias da inteligência. A personalidade como dito anteriormente não foi analizada nessa população. Além disso, como não havia dados sobre dia de nascimento, as correlações foram efetuadas apenas com mês de nascimento, estação de nascimento, primavera e outono estendidos, e inverno e verão estendidos.

Resultados

População de veteranos: Não houve relação entre inteligência ou personalidade com: mês de nascimento, estação do ano, inverno e verão estendidos, signo solar, elemento, ou gênero astrológico. Somente um resultado foi relevante: os militares nascidos no outono estendido (julho a dezembro) eram mais inteligentes do que os nascidos na primavera estendida (janeiro a junho). É importante ressaltar no entanto, que a diferença apesar de significativa foi inferior a um ponto de QI.



População de jovens: Mais uma vez apenas houve diferença estatística na análise de inteligência em relação aos períodos de primavera-outono estendidos. Curiosamente o resultado, no entanto, foi reverso ao da população de veteranos, isto é, nesse estudo os jovens nascidos na primavera estendida eram mais inteligentes :D . No entanto, mais uma vez a diferença era inferior a um ponto de QI.



Apesar do autor ter encontrado esses dois resultados relevantes, por se tratarem de subgrupos de uma amostra, é necessário realizar uma análise multivariável. Quando os valores de p eram submetidos a correção de Bonferroni para 39 análises, NENHUM resultado era significativo.

Discussão

É preciso inicialmente deixar claro que se tratam de dois estudos realizados com populações diferentes e que se submeteram a teste de inteligência diferentes. Não misturar as duas populações foi importante para evitar vieses. Outro aspecto que pode levantar dúvida refere-se a primeira amostra populacional constituida de veteranos de guerra, é de pensamento comum que experiências tramáticas como as presentes em campos de batalha podem interferir na personalidade e mesmo em algum grau na inteligência dos soldados. O autor no entanto afirma que vários indicadores socio-econômicos demontraram que os veteranos do Vietnã se adaptaram a sociedade tão bem quanto outros militares que serviram em outros locais, além de não apresentarem diferenças socio-econômicas em relação ao resto da população. Outro ponto importante é que a personalidade tende a ser estável ao longo da vida, não sofrendo grandes alterações.
Apesar deste artigo não poder refutar a astrologia num aspecto maior (uma vez que ela também se baseia em ciclos planetários e lunares), este artigo corrobora com as revisões da literatura atuais, e ataca duramente a astrologia mais simplória baseada unicamente nos signos solares, encontrada rotineiramente em jornais e revistas. Enfim, este artigo não demonstrou correlação entre inteligência ou personalidade com signos solares, elementos, gênero astrológico e portanto não dá suporte as alegações da astrologia. Mais do que isso, esse artigo não aponta nenhuma correlação entre inteligência e personalidade e fatores cronológicos, sejam eles mês de nascimento, estação do ano, ou estações estendidas.

Referência Bibliográfica
Peter, Hartmann; Reuter, Martin; Nyborg, Helmut (2006). "The relationship between date of birth and individual differences in personality and intelligence: A large-scale study". Personality and Individual Differences 40: 1349–1362. doi:10.1016/j.paid.2005.11.017. ISSN 0191-8869. Lay summaryDiscovery News (2006-04-25).

PS: Este artigo é citado na descrição em inglês de astrologia na Wikipedia.

13 comentários:

  1. Obrigada por ter me enviado o artigo!

    Curti muito o blog. Abração, cara!

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  2. é o fim da página de horóscopos do jornal...
    melhor ficar só nas tirinhas e sudoku mesmo..

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  3. O interessante é que quando usaram um questionário um semestre pareceu mais inteligente. Quando usaram outro, o outro semestre se deu melhor. Isso poderia desvalidar o estudo, mas como sabemos um questionário não consegue medir inteligência, mas sim uma maior afinidade com o questionário. De uma maneira ou de outra é uma associação de "tipo de inteligência" que influi muito na "maneira de ser" ou "personalidade". Maios ou menos isso: se janeiro se dá melhor na prova de artes, e setembro se da melhor na de física isso é uma assossiação mês x personalidade.

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  4. Não invalidaria o estudo pq ao se analisar considerando subgrupos não há qualquer relação.

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  5. No item 2.2.1.1, quando o autor fala "Principal Component Analysis (PCA) was conducted on 19 cognitive variables", ele não quer dizer que a inteligência foi avaliada pelo teste do PCA, porque o PCA é um teste estatístico multivariável!
    Resolvi ler o artigo e até comentar porque estava de passagem e li isso.
    O PCA é como o teste do qui-quadrado, teste T de student e outros testes de hipótese frequentistas.
    Os componentes de PCAs são como neurônios de redes neurais, são um vetor de peso do valor das demais variáveis.. Não é o caso explicar com detalhes aqui.
    A inteligência foi avaliada da seguinte maneira:
    "Grooved Pegboard Test, left and right hand; Paced Auditory Serial Addition Test; Rey-Osterrieth
    Complex Figure Drawing, direct copy, immediate recall and delayed recall; Wechsler Adult
    Intelligence Scale-Revised, general information and block design; Word List Generation Test;
    Wisconsin Card Sort Test; Wide Range Achievement Test; California Verbal Learning Test;
    Army Classification Battery, verbal and arithmetic reasoning, administrated twice; Pattern Analysis
    Test; General Information Test; Armed Forces Qualification Test"

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  6. Sobre a correção de Bonferroni..
    Acho uma bobagem, usando o seguinte argumento: a estatística frequentista de testes de hipóteses unicaudais tem como princípio o teorema central do limite. Isso significa que quando o tamanho da população tende ao infinito a distribuição tende a ser unimodal e o "p" tende a zero. Em outras palavras, o "p" em testes unidirecionais sempre vai ser <0.05 e se não for significa apenas que você não tem um n grande o suficiente.
    É por esse motivo que os professores batem na tecla: o mais importante é o dado ser clinicamente significante.
    ..
    Agora vou explicar a correção de Bonferroni: é simples. Se você em um trabalho com uma população n testa uma hipótese com alfa de 5%, seu erro tipo I é 5%. Se você no mesmo estudo faz isso com 2 variáveis, para que o estudo como um todo tenha erro tipo I de 5% você deveria diminuir o alfa para 2,5%. Isso foi argumentado porque algumas pessoas fazem centenas de testes em um mesmo banco de dados e a cada 100 testes (com alfa de 5%) eles encontram 5 falsos positivos. Para anular esse efeito foi proposta a correção de Bonferroni, mas é uma bobagem porque inclusive nem se sabe na publicação quantas análises foram omitidas.

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  7. Gabriel, interessante você comentar pois temos poucos conhecimentos da estatística bruta. Nossa formação teórica é precária em matemática médica.

    Sabemos desse improbidade das análises multivariadas. Por isso que as análises não foram "estatisticamente relevantes" mesmmo com p<0,05. Mas como tu disse isso é bobagem. Na minha opnião oque temos que saber é das "tendências". Isso a princípio é picareta mas o p serve para vermos o tanto que essa tendência é clara, ou o a probabilidade dela ser fruto do acaso.

    Nesse ponto não interessa muito quantas analises foram feitas. O que interessa é o seguinte: Temos uma população de 200 pessoas para considerarmos relevante precisa p <0,05. Para fazer a análise só dos homens desse grupo o p precisa ser mais rígido devido ao risco de viez ser maior. Mas não se sabe o quanto deve ser mais rígido, essa regra de boferoni é um chute oritentado. Já que até mesmo o p<0,05 é uma convenção.

    Oque interessa é ver a tendência e ver se ela é nítida ou não (pelo p). Apenas a análise estatítica não diz muita coisa. Temos que trabalhar com a lógica ("fisipatologia"), com as opiniões de especialistas, o conhecimento popular (coorte de 20 milhoes de anos), e com a sua própria vivência.

    Oque tu quis dizer sobre "ser relevante clinicamente"?

    valeu

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  8. Dusi, é simples. Vou mostrar com exemplo de um trabalho do qual participo que está na fase de coleta:

    Há 2 procedimentos X e Y. A hipótese é que Y causa maior retenção de CO2 que X. Dado que X é diferente de Y, considerando o teorema central do limite temos que:
    -Com uma amostra grande o suficiente o p inevitavelmente será <0.05.

    Por outro lado, se o p<0.05 para uma diferença na PaCO2 de 0.01, eu desconsidero o resultado pois não há implicação clínica de 0.01 de aumento na PaCO2. Ele não é clinicamente significante, como diz o prof Tauil.

    A interpretação da razão de verossimilhança máxima (p) é frequentista e realmente absoluta. O erro alfa de 5% tem uma história interessante e há situações que tornam seu uso inevitável como nas etapas de seleção das análises multivariadas (ex: seleção foward de regeressão linear múltipla).

    Também é consenso que não sabemos nada de estatística, nem mesmo frequentista, logo lógicas bayesianas ou mesmo lógicas fuzzy são inefetivas. A medicina atual necessita de consensos, pontos de corte absolutos e condutas bem definidas. Isso para que muita gente não comece a fazer bobagens (alguns fazem mesmo assim). Lógicas mais complexas também exigem tecnologia extra.

    Há diversos trabalhos sobre o tema, os introdutórios da medicina baseada em evidências.

    No final tudo é uma questão de custo-efetividade. http://www.scielo.br/pdf/csc/v8n2/a14v08n2.pdf

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  9. A exigência de um erro tipo I de 5% ou mesmo menor é justificável na maior parte das situações pelo fato de ser quase sempre possível conseguir estreitar o IC de um risco relativo ou razão de chances ou de peso de modo coerente. Basta aumentar o tamanho das amostras ou aglomerar usando metanálises.

    O erro tipo I de 5% pode ser visto como exigência mínima de qualidade de um estudo. Deve diminuir com o tempo. Quanto menor o erro tipo I menor as chances de erro de ações proativas e quanto menor o erro tipo II menor a probabilidade de negligência.

    Mas o erro tipo II tem a liberdade de 20%.. Imagino que seja porque o erro tipo II aumenta muito os custos, cria doenças, diminui a quantidade de procedimentos menos eficazes..

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  10. eehehe,

    falou uns negócios complicados aí.
    Se puder aparecer no clube, é toda quinta meio dia em alguma sala la perto do CA.
    Daria pra trocar umas ideias sobre bioestatítica.
    Se não puder mas puder indicar umas leituras.

    Acho que, embora agente defenda a MBE para varrer procedimentos desnecessários, acredito que a bioestatítica é uma ciência inexata. Que a intuição e conhecimentos não científicos tem papel fundamental na decisão clínica.

    A maioria dos estudos é meio tosca. Pq no fundo nao da pra afirmar nada, é tudo conjecturação. Mas tem alguns estudos em medicina que eu gosto.

    Na parte de tratamentos, particularmente os randomizados em que o desfecho é mortalidade, expectativa de vida, ou qualidade de vida. A partir daí você calcula o NNT, e analisa o tempo do estudo (quanto menor maior a relevancia da conclusão). Na parte de exames clinicos aquele likelihood ratio me parece um índice interessante.

    Tu gosta do NNT e o LR?

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  11. Gosto de muita coisa Dusi. Só que agora o tempo que tenho fora do exército dedico a estudar para prova de residência.
    Claro que existem vários graus de evidência e vários tipos de abordagem válidos. Mas acho que podemos estar sendo superficiais ao ser taxativos já que saúde pública não é apenas eficácia, há a eficiência e a efetividade.

    O NNT é estimado para determinado estudo de acordo com o tipo de variável utilizada, características esperadas de sua distribuição, a precisão necessária do resultado, os erros alfa e beta e o teste estatístico a ser utilizado. Por exemplo calculamos o NNT de uma maneira se formos usar ANOVA e de outra se formos usar McNemar. Isso considerando um teste de hipóteses.

    Para calcular NNT de estudos diagnósticos fiz um applet:
    http://www.gabriel.med.br/iced/
    Não conheço outra forma de calcular.

    Para estudar com detalhes razões de verossimilhança e demais parâmetros de estudos diagnósticos fiz outro applet:
    http://www.gabriel.med.br/ed/
    Esse aí tenho que revisar na parte do IC.

    Falando em estudos diagnósticos e aprofundando em características receptor-operador, fiz o seguinte applet:
    http://www.gabriel.med.br/roc/

    Tudo está em Java e é código livre.

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  12. Esse blog é MUITO legal !

    já viram os blogs de bioquimica médica e aplicada dos alunos de BioBio ?

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  13. O maior erro da astrologia é tentar ser ciência. Não acho que ela não tenha valor nenhum, mas como ciência (verificabilidade etc.) é nulo.

    Esse estudo é válido, mas seria desnecessário se a astrologia ficasse na dela.

    Reitero: astrologia tem algum valor, ainda que não científico, como produção de conhecimento. Não produz verdades, mas significados sociais. O que é suficiente, por exemplo, para um bom poema ou para tentar conquistar uma mulher.

    Abraços.

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